Amigos do Fingidor

terça-feira, 17 de novembro de 2015

O vigia que dormia



Pedro Lucas Lindoso


Quando aquela família se mudou para o Vieiralves, há mais de trinta anos, o conjunto era tranquilo. Não havia comércio e Manaus não apresentava esses altos índices de violência de nossos dias.
A casa ficou bonita e grande, ocupando dois terrenos. A família então contratou Juscenildo para ser o vigia noturno da propriedade. Tio da cozinheira da casa, que o indicou para o serviço, Juscenildo conquistou a família pela sua pontualidade, assiduidade e discrição. Apesar de surdo-mudo, Juscenildo ficava atento quando os patrões chegavam, abrindo a porta da garagem com solicitude e um sorriso nos lábios. Vestia sempre uma farda cinza, comprada por dona Dejanira, a matriarca.
A família tinha um casal de filhos adolescentes que rapidamente tornaram-se adultos. A moça da casa casou-se e a recepção foi na própria residência da noiva. Antigamente era assim. Não havia essas festas performáticas nos buffets e clubes. Juscenildo foi o segurança da festa, vestido num paletó preto, comprado especialmente para a ocasião.
Os anos se passavam. Certo dia o rapaz da casa chegou tarde e flagrou Juscenildo dormindo. O bairro já dava sinais de violência. O moço manteve segredo e sugeriu a aquisição de uma cerca elétrica. Dona Dejanira foi contra. Afinal, tinham o Juscenildo. Mas segurança nunca é demais. Instalou-se a tal cerca.
O jovem rapaz da casa se casou e dona Dejanira ficou viúva. Os filhos então sugeriram que ela se mudasse para um apartamento. O conjunto estava cada dia mais violento. Ela recusou. Foi então que os filhos abriram o jogo:
– Mamãe, o Juscenildo dorme. No que ela respondeu:
– Eu sei que ele dorme. Eu sei que ele é surdo-mudo. Mas aqui na rua tem outro vigia que também dorme que eu já vi. O vigia da Tereza, minha amiga também dorme. Mas nunca, jamais entrou ladrão em nossas casas.
Dona Dejanira detesta apartamento. Ouviu falar do ladrão Homem Aranha que sobe nos prédios. Não se mudaria de sua casa nunca. Detesta elevador.
Morreu bastante idosa, dormindo e em sua casa. Nunca foi roubada. Lá fora tinha o vigia, o Juscenildo, que também dormia.