Amigos do Fingidor

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Lábios que beijei 67


Zemaria Pinto
Janaína Janaína



Minha vida amorosa já entrava em declínio quando conheci a índia Janaína, plena de frescor, vivacidade e doçura. Janaína jamais me pediu nada e o pouco que lhe dei nada representava diante do que recebi. Éramos muito diferentes – ela, vegetariana, sensível, a delicadeza personificada, falando de arte e poesia; eu, que só aprendi a falar em dinheiro e tinha os sentidos ligados no imediato, emudecia e às vezes adormecia. Viajamos muito. Ela conhecia quadros, museus, lugares, tipos de vinhos, mesmo sem nunca ter estado ali antes – e falava muito sobre. Brigamos muito também: várias vezes nos separamos, quase sempre, por bobagem. Eu ia atrás dela, fazia promessas, e ela acabava voltando. Sabedora do meu passado de amores tortuosos, dizia-se agradecida por me manter fiel a ela. Mas isso não era verdade: de vez em quando, eu ia ao centro de massagem, só para não perder o hábito, além de um ou outro caso ocasional ou nem tanto. Eu não podia achar que aquilo fosse para sempre. Janaína era uma dádiva, que, eu sabia, mais cedo ou mais tarde, iria perder de vez. Apesar da gangorra, tínhamos uma vida plena de alegria. Tomávamos vinho e dançávamos músicas de um tempo em que a mãe dela ainda nem havia nascido. E nos amávamos gostoso. Com o tempo, Janaína, amadurecida e senhora de seu prazer, já não pedia sexo como no início. Quando acontecia, ela se iluminava. Se não acontecesse, ela continuava com seu sorriso largo e seu jeito brando e delicado de ser. Na véspera do meu aniversário de 60 anos, nos amamos como não acontecia havia anos – e ela disse que aquele era o seu presente. Já ia alta a madrugada quando adormeci. Pela manhã, um bilhete na mesinha da sala, a tinta borrada, o perfume dela ainda no ar – e mais nada.