João Bosco Botelho
A ausência de proibição do aborto como método
anticoncepcional nos livros sagrados sugere que a prática não causava
transtorno social. Igualmente, os legisladores do politeísmo no Oriente e no
Ocidente não empunhavam restrições. Dois dos mais antigos textos laicos da ação
médica, o Código de Hammurabi e as leis de Eshnunna não fazem referência ao
assunto.
Houve certa indulgência em Aristóteles (Política, VII, 4),
que aconselhava a interrupção da gravidez frente às necessidades médicas, desde
que o embrião não tivesse recebido o sentimento e a vida.
Depois de quase dois mil anos de limitações impostas, ora no
sagrado, ora no profano das relações sociais, a estimativa do número de abortos
provocados por ano no mundo ultrapassou, em 1989, 40 milhões. Dez por cento
desse total, 4 milhões, foram feitos no Brasil, causando a morte de trezentas
mil mulheres.
A Organização Mundial de Saúde publicou que o Brasil já tem
maior número de abortos do que de nascimentos. Os estudos da OMS e de outras
entidades de direitos humanos, mostram que a mortalidade e a morbidade são
atenuadas com a melhor assistência do Estado. Foi o que aconteceu nos Estados
Unidos da América, a partir de 1973, quando a Suprema Corte legalizou o aborto,
com severas restrições à realização em hospitais públicos, em menores de idade
e em gestantes com mais de dois meses de gravidez.
A tendência pró aborto iniciada na Europa, nos anos setenta,
é hoje mundial. Nos últimos quinze anos, pelo menos vinte países modificaram as
suas leis. Na Itália, o mais católico
dos países da Europa, a legalização do aborto provocou muito conflito. Só
depois de cinco anos de debates no Parlamento, em 1975, e com a ajuda da frente
laica, reunindo os representantes de todos os partidos políticos, foi aprovada
a mudança. O plebiscito, realizado no papado de João Paulo II, mostrou que 70 %
dos italianos aprovavam a lei.
As proibições profanas e sagradas não modificaram, em quase
dois mil anos, o comportamento das mulheres quando decididas a utilizar o
aborto como método anticoncepcional. Do outro lado dessa questão social
complexa, nas sociedades com problemas de superpopulação, como na China, ocorre
o estímulo público ao aborto.
A impressionante mortalidade e morbidade do aborto
clandestino continuará estimulando mudanças nas leis, inclusive no Brasil.