João Bosco Botelho
É necessário tentar explicar
porque o Centauro Quíron foi o preceptor de Asclépio, o grande deus curador
grego, de Jason e Dionísio. É provável que tenha existido razão no pensamento
mítico grego para justificar a ligação entre as qualidades necessárias para
exercer a prática médica, encontradas em Asclépio, com a epopeia épica do Velo
de Ouro, de Jason, e com o conhecimento dos mistérios da religião e da
vegetação de Dionísio.
Apesar de tratarem-se de
pontos aparentemente discrepantes e sem qualquer relação entre eles, é possível
estabelecer o elo coerente a partir da compreensão de como era a prática médica
naquela época. O entendimento fica mais fácil se aderirmos a medicina aos dois
cortes epistemológicos: o pensamento celular, a micrologia (microscópio ótico),
e o pensamento molecular, a ultramicroscopia (microscópio eletrônico). Dessa
forma, sem esses conhecimentos, a ação médica atual ficaria desprovida dos
principais suportes para identificar as doenças e os objetivos da prática
ficariam intransponíveis.
Para o exercício da prática
médica sem o apoio da micrologia (biopsia) e da genética torna-se necessário
possuir a determinação de Jason em vencer incríveis obstáculos e o conhecimento
da vegetação e da religião de Dionísio. Talvez tenham sido essas as bases
complexas das relações do centauro Quíron, com Asclépio, Jason e Dionísio.
Para os gregos daquela época
o deus Asclépio deificava a medicina na mitologia: era celebrado em grandes
festas públicas, no dia 18 de outubro, data que o cristianismo estabeleceu como
o dia do nascimento de Lucas, o Evangelista médico, e, até hoje, se comemora o
dia do médico no Ocidente.
Asclépio conquistou uma fama
inimaginável, tinha a delicadeza do tocador de harpa e a habilidade agressiva
do cirurgião. Todos os doentes que não obtinham cura em outros lugares,
procuravam os serviços médicos desse deus. Mais cirurgião do que médico, ele
criou as tiras, as ligaduras e as tentas para drenar as feridas. Chegou a
ressuscitar os mortos e, imediatamente, foi morto por Zeus, com os raios dos Ciclopes.
Zeus matou Asclépio por temer que a ordem do mundo fosse transtornada.
Asclépio deixou duas filhas,
Hígia e Panaceia; a primeira celebrada como a deusa da medicina, e a segunda
curava todos os doentes com os segredos das plantas medicinais. Além delas,
teve dois filhos, Macaão e Podalírio, médicos guerreiros, que se destacaram na
guerra de Tróia.
Existem muitas comprovações
arqueológicas das dádivas de agradecimentos dos doentes à Asclépio. No hospital
de Epidauro, na ilha de Cós, na Grécia, foram encontradas várias esculturas com
o nome do doente, a descrição da doença e da cura obtida. Esses objetos
artísticos simbolizando Asclépio, datados entre os séculos 6 e 2 a.C., contém a
serpente enrolada no bastão.
A relação entre a serpente e
a medicina já estava presente na civilização babilônica, dez séculos antes da
formação da polis grega. No Louvre, existe um vaso de cerâmica encontrado na
região de Lagash, representando o deus da cura babilônico – Ningishzida –
segurando um bastão com duas serpentes entrelaçadas.
É possível compreender a
relação da medicina com a serpente sob dois aspectos míticos: pode viver em
cima e embaixo da terra e tem a capacidade de mudar a pele, de tempos em
tempos, encenando o renascimento.
A última interpretação está
relatada no Rig Veda (1.79,1), no qual os Adityas são descritos como os
descendentes das serpentes e ao perderem a pele velha, eles venceram a morte e
adquiriram a imortalidade.