João Bosco Botelho
No cotidiano das maternidades públicas, em Manaus, ocorrem
atendimentos de dezenas de mulheres grávidas, no primeiro trimestre, em
trabalho de aborto incompleto, a maior parte provocado pelo uso oral de
substâncias químicas ou pelo manuseio criminoso da cavidade uterina. Essas
mulheres chegam aos hospitais com hemorragia e infecção, algumas em risco de
vida. Todas são submetidas às curetagens uterinas salvadoras! A quase
totalidade tem pouca escolaridade, mora na periferia urbana e em favelas.
As informações do DATASUS são impressionantes! Em algumas
maternidades são realizadas mais curetagens para do que partos. O estudo
realizado pelo Instituto do Coração evidenciou, entre 1995 e 2007, que a
curetagem uterina pós-aborto aparece como a cirurgia mais realizada no Sistema
Único de Saúde (SUS). Os números mostram a gravidade do problema de saúde
pública: em 2015, 181 mil; em 2014, 187 mil e em 2013, 190 mil.
As estatísticas dos abortos provocados, no mundo, mostra com
clareza aproximadamente 97 países, cerca de 66% da população mundial, que têm
leis permissivas ao aborto como método anticoncepcional, até determinada idade
fetal; em outros 93 países, em torno de 34% da população, só é permitido o
aborto apenas em situações especiais como má formações congênitas comprometendo
a vida fetal, estupro e risco de vida para a mãe.
Nos países, onde o aborto como método anticoncepcional é
permitido e amparado pelo Estado, as leis autorizam a interrupção da gravidez
variando entre 10 semanas, na França, desde 1975, até 28 semanas, na
Inglaterra, desde 1967.
A difícil análise dos abortos provocados como método
anticoncepcional, nos países tropicais, poderia iniciar com a pergunta: o que
se mostra tão sedutor a essas mulheres, capaz de lhes dar força para tomar uma
atitude capaz de provocar sequelas definitivas e a morte?
Dessa forma, tentar reduzir o problema aos limites socioeconômicos
não é suficiente para explicar porque, ao longo de muito tempo, em diferentes
culturas, certas mulheres arriscam a vida para interromper a gravidez não
desejada. Os registros informam que o aborto nunca deixou de ser realizado nos
quatro cantos do planeta, contudo sob diferentes interdições.
Não existem citações ao aborto provocado tanto no código de
Hammurabi, do século 17 a.C., quanto nas leis de Eshnunna (1825 a 1787 a.C.),
dois dos mais severos conjuntos de leis, no escravismo politeísta, que
englobavam muitos aspectos da vida social, inclusive o erro médico.
Na Grécia antiga, do século 4, o juramento de Hipócrates,
oferece, num primeiro momento, a clara tendência antiabortiva dos médicos
gregos, da Escolas de Cós, onde se localizava o hospital-escola de Epidauro:
"...Não darei venenos mortais a ninguém, mesmo que seja instado, nem darei
a ninguém tal conselho e, igualmente, não darei às mulheres pessário para provocar
aborto...". Outra abordagem dos princípios éticos hipocráticos aponta a
valorização primordial da vida; logo, a proibição ao aborto e outras cirurgias
se assentava no fato de que as complicações poderiam causar a morte da grávida.
Sob esse argumento, a interdição ao aborto provocado, no juramento hipocrático,
longe de representar impedimento de natureza moral do ato abortivo em si mesmo,
esta atada à decisão fundamental do médico grego em manter a vida da paciente.