João Bosco Botelho
As dúvidas sobre a data correta para o início da humanização
do feto ou o recebimento da alma atravessaram os séculos e chegaram a São Tomás
(1225 1274). Esse magistral teólogo sustentou claramente que a animação não
ocorria na concepção e que só o aborto de um feto animado era homicídio. A
influência aristotélica no tomismo é também sentida na tese da pureza do sêmen,
que ao sair do homem tem a intenção natural de formar outro ser igualmente
perfeito, isto é, um homem. As circunstâncias desfavoráveis seriam responsáveis
pelo nascimento das mulheres, por exemplo, como o vento sul úmido, que origina
pessoas com mais líquidos, como as mulheres. A completa renúncia sexual é
aceita por São Tomás como a única forma de alcançar a devoção perfeita.
O resultado dessa nova abordagem eclesiástica culminou com a
atitude do papa Gregório XIV, apoiado no argumento de teólogos, revogando a
Bula de Xisto V (1588), que punia civil e canonicamente todos os que
praticassem o aborto em qualquer fase do feto.
A partir dos primeiros anos do século 20, parece não haver
dúvidas quanto ao endurecimento da Igreja em relação ao aborto provocado como
método anticoncepcional. A intolerância
retornou aos rigores do cristianismo primitivo contido no Didaqué e as
consequências seguiram.
O papa Pio XI acabou com a distinção multissecular de feto
animado e não-animado, de certa forma retomando a posição de Aristóteles. Por
outro lado, pode ter tido importância a industrialização crescente, no
Ocidente, e a necessidade de inserir a mulher no mercado de trabalho, já que o
aborto provocado em condições precárias e as trágicas consequências alcançavam
as mulheres pobres.
O Papa Pio XI, no famoso discurso dirigido aos obstetras, em
1951, enfatizou: “Não há nenhum homem, nenhuma autoridade humana, nenhuma
ciência, nenhuma indicação médica, econômica, social e moral, que possa exibir
título jurídico válido para dispor direta e deliberadamente de uma vida humana
inocente..., visando sua destruição. "
O documento conciliar Gaudium et Spes, considerado
progressista em muitos aspectos da ação social da Igreja, manteve a interdição
incondicional: "A vida, uma vez concebida, deve ser tutelada com o máximo
de cuidado e o aborto, como o infanticídio, são delitos abomináveis".
O mapa do aborto provocado como método anticoncepcional, no
mundo, evidencia a tragédia, verdadeiro genocídio selecionado, matando e
mutilando mulheres pobres:
http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_283054.shtml
Considerando a impressionante mortalidade e morbidade de
mulheres pobres, que sob desespero, optam pelo aborto como método
anticoncepcional, no Brasil, é necessário intensificar as campanhas de
informação e trazer esse assunto à discussão no Parlamento.