Amigos do Fingidor

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Ódio ao Papai Noel


Pedro Lucas Lindoso


Maués não gosta do Natal. No seu registro de nascimento consta que seu nome é Jesus. Como nasceu dia 25 de dezembro, convenceram seu pai a registrá-lo homenageando o Nosso Salvador. O grande aniversariante do dia. Mas Maués acha que não merece esse nome. Além disso, seu pai queria batizá-lo como Maués, Município onde se localizava a tribo indígena onde seu pai nasceu. E pede que o chamem de Maués.
A tribo não mais existe. Alguns dos parentes de seu pai se tornaram índios urbanos e moram em Manaus. Outros, como Maués, estão totalmente engajados na cultura dos “brancos” e se espalharam pelo mundo.
Quando Jesus, digo Maués, tinha oito anos de idade, conversou com um “Papai Noel” desses de lojas e pediu-lhe uma bicicleta. Afinal, era Natal e seu aniversário. Achava que mereceria o presente.
O pai de Maués era faxineiro de uma grande mansão. Não ganhava o suficiente para atender aquele pedido de seu curumim, feito ao “Papai Noel”.
O filho do patrão ganhou uma bicicleta novinha em folha. Abandonou sua antiga “bike” na garagem. O pai de Maués achou que poderia pegá-la e dar ao seu curumim o presente tão sonhado.
A alegria de Maués foi imensa. Mas durou pouco. No dia seguinte, seu pai pediu de volta a bicicleta. Constrangido, foi obrigado a devolvê-la ao mesmo lugar na garagem de onde a tinha retirado. E foi acusado de ladrão. Pior. Foi demitido. Sem direito a seus direitos básicos de rescisão.
Escapou de ser preso por muito pouco. O patrão sentenciou:
– Perdi a confiança. Caboclo abusado e ladrão. Mas não vou dar queixa. As cadeias estão superlotadas. Espero que se emende.
Na lógica do pai de Maués, ele não teria cometido nenhum furto. Não se considerava ladrão. Era trabalhador.  Até sua adolescência morou numa tribo. Tudo vinha de graça da floresta. Os membros de sua aldeia tinham tudo em comum. Se alguém não precisa mais de algo, não é errado que outro a pegue. A noção de propriedade é diferente das dos ditos “brancos” da cidade.
Sem poder sustentar sua esposa e filho, o índio velho adoeceu. Pegou uma gripe forte que virou pneumonia. Mas morreu mesmo de tristeza.
Maués tem um ódio imenso de “Papai Noel”.