João Bosco Botelho
O aumento da circulação de moeda e do comércio pode ter
contribuído para forçar, por parte da população mais organizada, o
preenchimento de um espaço vazio da organização social na assistência à saúde e
à velhice. Pode ter sido por aí que as normas das corporações-confrarias-irmandades
passaram a prever diversas formas de amparo aos membros e suas famílias. A maior parte possuía hospital próprio, como
o da rica Confraria de São Leonardo, em Viterbo, Itália, no século XII, capazes
de prestar vários tipos de atendimento e amparo à viuvez e aos órfãos. Essas
ajudas mútuas estavam atadas aos resultados oferecidos pela Medicina-oficial,
basicamente dos melhores cirurgiões-barbeiros, aderidos à Confraria dos
Cirurgiões. De certa forma, nesse contexto, contribuíram para que a ética dos médicos
retornasse aos bons resultados como o melhor caminho.
Essas mudanças só protegiam pequenos grupos, a maior parte da
população vivendo na miséria. É importante relembrar que as conquistas sociais
da Medicina greco-romana haviam se perdido. O processo de dessacralização da
doença, iniciado na Escola de Cós, por meio da teoria dos Quatro Humores, foi
apagado pela ética cristã inserida na Medicina, que valorizava, exclusivamente,
a doença como castigo pelo pecado cometido.
Essa ética cristã baseada na caridade cristianizada, que
valorizou a exaustão a recompensa pessoal após a morte e da obediência aos
dogmas eclesiásticos, abandonou os cuidados com a saúde pública, a higiene
pessoal, redes de abastecimento de água potável, escoamento dos esgotos e o pagamento
pelo serviço profissional médico.
Por essas razões, a maior parte das populações da Europa
medieval sofreu na pele o descaso pelas normas essenciais para preservar a
saúde coletiva. As cidades não passavam de aglomerações humanas desordenadas, em
torno de suntuosas catedrais góticas, sem água potável e esgotos sanitários,
com habitações inadequadas, onde, de tempos em tempos, grassavam epidemias de
várias doenças infectocontagiosas, que matavam, frequentemente, milhares de
pessoas em poucas semanas.
As regras das corporações-confrarias-irmandades sempre
ofereceram ajuda entre os membros e suas famílias. Como exemplo, o estatuto da
corporação dos curtidores de couro branco, em Londres, datado de 1346, reza no
artigo primeiro que o bem-estar de seus membros era o objetivo maior.