Amigos do Fingidor

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

A medicina entre confrarias, corporações e irmandades 2/2



João Bosco Botelho


O aumento da circulação de moeda e do comércio pode ter contribuído para forçar, por parte da população mais organizada, o preenchimento de um espaço vazio da organização social na assistência à saúde e à velhice. Pode ter sido por aí que as normas das corporações-confrarias-irmandades passaram a prever diversas formas de amparo aos membros e suas famílias.  A maior parte possuía hospital próprio, como o da rica Confraria de São Leonardo, em Viterbo, Itália, no século XII, capazes de prestar vários tipos de atendimento e amparo à viuvez e aos órfãos. Essas ajudas mútuas estavam atadas aos resultados oferecidos pela Medicina-oficial, basicamente dos melhores cirurgiões-barbeiros, aderidos à Confraria dos Cirurgiões. De certa forma, nesse contexto, contribuíram para que a ética dos médicos retornasse aos bons resultados como o melhor caminho.
Essas mudanças só protegiam pequenos grupos, a maior parte da população vivendo na miséria. É importante relembrar que as conquistas sociais da Medicina greco-romana haviam se perdido. O processo de dessacralização da doença, iniciado na Escola de Cós, por meio da teoria dos Quatro Humores, foi apagado pela ética cristã inserida na Medicina, que valorizava, exclusivamente, a doença como castigo pelo pecado cometido.
Essa ética cristã baseada na caridade cristianizada, que valorizou a exaustão a recompensa pessoal após a morte e da obediência aos dogmas eclesiásticos, abandonou os cuidados com a saúde pública, a higiene pessoal, redes de abastecimento de água potável, escoamento dos esgotos e o pagamento pelo serviço profissional médico.
Por essas razões, a maior parte das populações da Europa medieval sofreu na pele o descaso pelas normas essenciais para preservar a saúde coletiva. As cidades não passavam de aglomerações humanas desordenadas, em torno de suntuosas catedrais góticas, sem água potável e esgotos sanitários, com habitações inadequadas, onde, de tempos em tempos, grassavam epidemias de várias doenças infectocontagiosas, que matavam, frequentemente, milhares de pessoas em poucas semanas.
As regras das corporações-confrarias-irmandades sempre ofereceram ajuda entre os membros e suas famílias. Como exemplo, o estatuto da corporação dos curtidores de couro branco, em Londres, datado de 1346, reza no artigo primeiro que o bem-estar de seus membros era o objetivo maior.