Amigos do Fingidor

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Práticas médicas entre os confrontos ideológicos 1/2



João Bosco Botelho


Apesar de a medicina oficial, produzida nas universidades, ter feito progresso no trato da saúde coletiva, retirando-a do espaço fechado da classificação morfológica, é saudável insistir que prevalecem nas academias as correntes que colocam a doença como um produto exclusivo da organização social.
Nesse sentido, a principal proposta teórica, na modernidade, que associou a doença à desordem social (por corruptela, ao capitalismo) e a saúde à ordem social (por corruptela, ao socialismo), se fortaleceu a partir das condições de trabalho e de saúde dos operários ingleses, descritas por Engels.
É interessante assinalar que a associação entre a doença e a desorganização das sociedades e o papel político do médico para intervir e mudar é mais antiga. Na Grécia, nos tempos de Sólon, já estava estabelecida, expressa no livro de Werner Jaeger Paidéia: a formação do homem grego: “A função da justiça na sociedade corresponde para o corpo à da medicina, que Platão ironicamente denomina pedagogia das doenças. Todavia, o momento da doença é muito tardio como ponto de partida para uma verdadeira influência educacional. Sendo o médico o conhecedor da doença, ele pode intervir politicamente para evitá-la”.
Essa leitura mecanicista dos corpos, também anterior aos confrontos políticos do século passado, serviu para fundamentar uma das mais conhecidas tentativas para explicar a diferença entre o homem, possuidor de alma, e os outros animais, feita pelo médico espanhol Gomes Pereira, em 1554, ao afirmar que os animais são máquinas, incapazes de falar e raciocinar.
O peso decisivo para alavancar essas ideias recebeu forte impulso no filósofo francês René Descartes (1596-1650), ao robustecer o pensamento mecanicista, defendendo o corpo como o domínio da física e a alma, da religião.