João Bosco Botelho
A teoria dos Quatro Humores, construída no século 4 a.C. por
Políbio, médico da Escola de Cós e genro de Hipócrates, e a proposição de
Galeno, do século 2 d.C., associando o perfil social como fator nato ao aparecimento
das doenças – teoria dos Quatro Temperamentos – se tornaram dogmas nos estudos
das práticas médicas, no medievo europeu, influenciado pelo fato de Galeno ter
se declarado cristão, ampliou a busca dos limites da cura além do social até os
dias atuais.
A inovação de Galeno não modificou a essência da prática
médica da Escola de Cós, liderada por Hipócrates: o exame do doente por meio da
anamnese, descrita em homenagem à deusa grega da recordação, Mnemis. Assim, o
médico próximo do doente o interrogava na busca dos fatores pessoais,
familiares e sociais que poderiam estar relacionados com as doenças.
Com absoluto predomínio das teorias hipocrático-galênicas a
medicina atravessou o medievo europeu. A pouca resistência se adaptou às
intolerâncias e assim chegou às primeiras universidades, sob forte influência
da Igreja.
No período mais tenebroso da Inquisição, entre os séculos 14
e 15, alguns médicos, sob interpretações equivocadas das teorias de Políbio e
Galeno, construíram exames clínicos para identificar as bruxas, em pouco tempo
abandonados no lixo da intolerância.
No século 18, o avanço seguinte com o suporte da micrologia,
genialmente descrita no século anterior por Marcelo Malpighi, na medida no
aperfeiçoamento do pensamento micrológico celular, obrigou a revisão da ordem
greco-romana de Políbio e Galeno.
A medicina oficial, a produzida nas universidades, continuou
transmitindo, como verdade final, a morfologia das doenças, sob as lentes dos
microscópios, desprezando como e por que as pessoas se relacionam com as dores
e os prazeres.
Apesar da associação saúde-sociedade não ser recente na
história da medicina, nunca se tornou tão obrigatória nos trabalhos acadêmicos,
quanto nos últimos cinquenta anos. Notadamente nos países do Terceiro Mundo,
onde a exclusão social é mais gritante, escrever ou orientar teses médicas
desprovida do suporte metodológico em torno da doença como fruto do social
acabou sendo proibido.
É nessa perspectiva que ocorreram novas intolerâncias:
admitir como pressuposto indissociável que a doença só depende da ordem social,
remete o raciocínio, de maneira obrigatória, à falsa premissa da ausência de
vetores pessoais que interferem com a etiologia das doenças. A herança genética
que molda os corpos dos animais multicelulares foi estruturada, em milhões de
anos, para fugir das dores de todos os tipos, física e mental, e buscar o
prazer como resposta inata contra o sofrimento. As vidas são impossíveis sem a
distensão entre a dor e o prazer, amalgamando o pessoal ao social e vice-versa.