Amigos do Fingidor

terça-feira, 25 de agosto de 2020

Da fita cassete às playlists do Spotify


Pedro Lucas Lindoso

 

 

A coisa mais fantástica que chegou em nossa casa da rua Henrique Martins, na Manaus de minha infância, foi uma eletrola. Para quem não sabe, é um aparelho de som para tocar discos de vinil. Tem uma base que acomoda o prato circular, acionado por eletricidade, com pino central onde se encaixa o disco de vinil. Elas contêm ainda um braço, em cuja extremidade há uma agulha. Que faz a leitura dos sulcos do vinil.

Na minha adolescência não havia computador, nem celular. E claro, como nos dias de hoje, sempre tínhamos uma lista de músicas favoritas. Nós escolhíamos as músicas e as gravávamos em fitas cassetes. Coisa que não existe mais.

A outra grande novidade eletrônica foi o som três em um. Consistia na eletrola, com gravador e rádio. Uma maravilha. Gravavam-se os cassetes diretamente do vinil ou do rádio. Havia gente que ganhava dinheiro fazendo fitas. Os pais de um colega de escola tinham uma fantástica coleção de discos, sempre atualizada, inclusive com discos importados. Ele gravava fitas com playlists fantásticas. E aceitava encomendas. Só bossa nova, ou músicas clássicas, de natal ou carnaval. Ao gosto do freguês.

Quando fiz intercâmbio aos Estados Unidos, em 1973, levei três fitas para mostrar a nossa música aos americanos. Acabou que os colegas da escola não se interessaram muito. E eu ouvi essas músicas incansavelmente por todo o tempo do intercâmbio. Era o único português acessível durante todo o tempo que passei por lá.  Eu era o único falante de português na região de Springfield – Ohio.

As músicas ficaram na minha memória para sempre. De tanto ouvi-las. Eis algumas: “Menina da ladeira”; “Você”, de Tim Maia; “Casa no campo”, na voz de Elis; “Como 2 e 2”, de Gal; “Construção”, do Chico; “Na tonga da mironga do kabuletê” e “Uma tarde em Itapoã”, do Vinícius.  E uma que sempre me vem à mente os Estados Unidos quando ouço: “Preta, pretinha”, dos Novos Baianos.

Minha filha Marina e eu compartilhamos livros do Clube TAG. Estou lendo “Sul da fronteira, oeste do sol”. O escritor é o japonês Haruki Murakami. Ele menciona várias músicas no decorrer da estória. Muito jazz, Nat King Cole e até a brasileiríssima “Corcovado”. Marina fez uma fantástica playlist com as canções do livro. Usando o Spotify. Em outros tempos teria um trabalhão em achar as músicas e gravar em cassete.

E eu aqui matutando. Dos discos de vinil e fitas cassetes aos playlists de Spotify, 50 anos de músicas nos contemplam, nos deliciam e contam a história de nossas vidas. Da minha vida.

PS. Meu colega de classe não perdeu a mania de gravar. Hoje ele faz playlists, coloca em pen drives e dá de presente aos amigos.