Pedro Lucas
Lindoso
A coisa
mais fantástica que chegou em nossa casa da rua Henrique Martins, na Manaus de
minha infância, foi uma eletrola. Para quem não sabe, é um aparelho de som para
tocar discos de vinil. Tem uma base que acomoda o prato circular, acionado por
eletricidade, com pino central onde se encaixa o disco de vinil. Elas contêm
ainda um braço, em cuja extremidade há uma agulha. Que faz a leitura dos sulcos
do vinil.
Na
minha adolescência não havia computador, nem celular. E claro, como nos dias de
hoje, sempre tínhamos uma lista de músicas favoritas. Nós escolhíamos as
músicas e as gravávamos em fitas cassetes. Coisa que não existe mais.
A outra
grande novidade eletrônica foi o som três em um. Consistia na eletrola, com
gravador e rádio. Uma maravilha. Gravavam-se os cassetes diretamente do vinil
ou do rádio. Havia gente que ganhava dinheiro fazendo fitas. Os pais de um
colega de escola tinham uma fantástica coleção de discos, sempre atualizada,
inclusive com discos importados. Ele gravava fitas com playlists fantásticas. E
aceitava encomendas. Só bossa nova, ou músicas clássicas, de natal ou carnaval.
Ao gosto do freguês.
Quando
fiz intercâmbio aos Estados Unidos, em 1973, levei três fitas para mostrar a
nossa música aos americanos. Acabou que os colegas da escola não se interessaram
muito. E eu ouvi essas músicas incansavelmente por todo o tempo do intercâmbio.
Era o único português acessível durante todo o tempo que passei por lá. Eu era o único falante de português na região
de Springfield – Ohio.
As
músicas ficaram na minha memória para sempre. De tanto ouvi-las. Eis algumas: “Menina
da ladeira”; “Você”, de Tim Maia; “Casa no campo”, na voz de Elis; “Como 2 e 2”,
de Gal; “Construção”, do Chico; “Na tonga da mironga do kabuletê” e “Uma tarde
em Itapoã”, do Vinícius. E uma que
sempre me vem à mente os Estados Unidos quando ouço: “Preta, pretinha”, dos
Novos Baianos.
Minha
filha Marina e eu compartilhamos livros do Clube TAG. Estou lendo “Sul da
fronteira, oeste do sol”. O escritor é o japonês Haruki Murakami. Ele menciona
várias músicas no decorrer da estória. Muito jazz, Nat King Cole e até a
brasileiríssima “Corcovado”. Marina fez uma fantástica playlist com as canções
do livro. Usando o Spotify. Em outros tempos teria um trabalhão em achar as
músicas e gravar em cassete.
E eu
aqui matutando. Dos discos de vinil e fitas cassetes aos playlists de Spotify,
50 anos de músicas nos contemplam, nos deliciam e contam a história de nossas
vidas. Da minha vida.
PS. Meu
colega de classe não perdeu a mania de gravar. Hoje ele faz playlists, coloca
em pen drives e dá de presente aos amigos.