Tainá Vieira
Clarice e eu é o nome desta crônica porque se
trata de um texto bem intimista, na verdade, nem era para ser compartilhado, mas
preciso mostrar o quanto tempo eu perdi, menosprezando uma autora que mudaria a
minha medíocre existência. Sei, estou
agindo como uma colegial, porém, eu não me importo. Clarice exerce um poder
intenso sobre mim, a forma complexa e sutil de narrar, me motiva, influencia e
inspira muito.
Quando eu estava no curso de Letras – Língua
Portuguesa, e mesmo antes do curso, eu lia muito, sempre digo que a minha
jornada na literatura se deu primeiro com a leitura, isso é óbvio, não poderia
ter sido diferente. Todavia, jamais me interessei pela literatura de Clarice,
por dois motivos: o primeiro era porque sempre ouvira falar que a sua escrita
era difícil de entender, muito complexa e cansativa, e o segundo motivo, era
por pura preguiça de me esforçar para entender.
Eu queria algo mais leve e fácil, eu queria
mesmo era sombra e água fresca, nada de olhar para as profundezas das emoções das
personagens, como no romance de estreia de Clarice, Perto do Coração
Selvagem. Esse romance mudou a minha vida de verdade, e isso não é um
clichê. Vira e mexe, estou pensando em Joana, ó minha triste e doce Joana, quão
feliz eu fui adentrando a tua infeliz história. Por várias vezes, vi-me ali,
por muitos instantes tu, Joana, eras eu, vivi contigo muitas agruras e tive
também quase os mesmos pensamentos teus.
Formei-me, especializei-me, o tempo passou e
Clarice sempre ficou para trás na minha vida. Sentia uma raiva tão intensa
quando alguém perguntava sobre algum livro de Clarice, e eu respondia que não
conhecia e a pessoa se assustava, como assim não conhece nada de Clarice? Eu,
retrucava, quem é Clarice na fila do pão? É mesmo essencial ler Clarice?
Comecei lendo as suas crônicas, uma coletânea, Todas
as crônicas, são mais de 600. O destino armou direitinho essa cilada boa,
me pegou com as crônicas, e eu conheci uma autora totalmente oposta daquela que
ouvira falar, e senti um ódio tão grande de mim por me deixar levar “no ouvir
dizer.” As crônicas de Clarice são
inspiradoras, nota-se a paixão pela escrita, pela Língua Portuguesa, e pelo
país que ela tanto amou. Em seguida fui para os romances, me esforcei muito
para gostar da Macabéa (já havia lido na época da faculdade, mas foi por
obrigação), prefiro a Joana, contudo, a minha favorita é G.H. G.H fala aos meus
ouvidos, na verdade, estou ali naquele quartinho acompanhando cada cena que sua
mente produz. Vivo aquela condição
humana tão banal e tão necessária, e deixo-me levar por aquele turbilhão de
emoção que percorre a narrativa.
Quando estou com tempo sobrando, assisto à
entrevista de Clarice concedida quase um ano antes de ela morrer. Já fiz isso várias vezes e mais vezes farei.
Tenho um álbum na minha galeria de fotos só dela. Quando penso em Clarice,
lembro também de uma professora da época da faculdade que faleceu um dia destes:
ela amava e nos falava com paixão da obra de Clarice e dizia-me que eu precisava
ler Clarice, que Clarice era fundamental. A minha professora estava coberta de
razão.
Passei pelas crônicas e por alguns romances e
estou finalizando os contos, os contos que, quanto mais complexos, melhores
são. E eu tenho certeza, jamais encerrarei as leituras, Clarice sempre estará
ao meu alcance, tanto que A paixão Segundo G.H, me chama. Nunca vi isso,
um livro chamar por mim.
Antes de ler integralmente A Paixão segundo
G.H, eu já havia iniciado umas duas vezes, e parava, não porque não
entendia, mas sempre acontecia algo que fazia com que eu deixasse a leitura de
lado, só que um belo dia, eu decidi, vou terminar esse livro, recomecei, e em
dois dias, eu estava triste porque havia terminado: eu queria mais, queria que a
leitura durasse mil e uma noites. Algo estranhamente tem acontecido, sinto uma
necessidade de relê-lo. Estou quieta, e
subitamente vem uma vontade de começar a ler tudo de novo, é como se esse livro
chamasse por mim.
Essa é a literatura de Clarice, poderosa,
inspirável, avassaladora e dominante; quem a conhece, a compreende, não escapa
mais e fica literalmente à mercê, como se, dela, o leitor necessitasse para
sobreviver. A obra de Clarice é o melhor enigma para que se possa desvendar (ou
tentar) antes de começar a escrever. Clarice é essencial, sim.