Amigos do Fingidor

sábado, 3 de abril de 2021

Renato Augusto Farias de Carvalho (30/6/1935 – 2/4/2021)

 

Renato Augusto era membro titular da Academia Niteroiense de Letras
e do Instituto Histórico e Geográfico de Niterói.

Poeta e ficcionista, o amazonense Renato Augusto Farias de Carvalho era dedicado ao seu ofício. Na sequência, a orelha que escrevi para Chapada Síria (2018), uma novela passada em uma Manaus que sobrevive apenas na lembrança e na arte.


A memória é repositório e é arrimo. Nenhum escritor exerce sua lida sem dela servir-se, por mais que o negue; e por mais que, negando-o, seja sincero. A infância e a adolescência são o paraíso perdido do qual somos expulsos adultos. Sabendo disso, Renato Augusto Farias de Carvalho destila sua prosa elegante – a elegância é siamesa da simplicidade – a partir do manancial de sua própria memória, recriando situações e personagens que fazem parte de suas lembranças mais recônditas.

Ou não. Afinal, o protocolo da ficção – e aqui estamos diante de uma novela, naquela acepção bem luso-brasileira de narrativa de extensão mediana, com poucas células dramáticas, e relação tempo/espaço bem definida – recomenda-nos não confiar em narradores-personagens: os narradores testemunhas não conhecem a trama como um todo, apenas aquilo que lhes foi concedido conhecer; os narradores protagonistas, por sua vez, expressam o seu ponto de vista, que pode ser parcial, também, mas, e esse é o problema, pode ser passional – vide Bentinho, o D. Casmurro, desmascarado por Mrs. Caldwell depois de 60 anos...

Enfim, Leninho, o narrador autodiegético de Chapada Síria, revisita a Manaus de sua infância, mas não para referir melancolias saudosistas: Leninho tem saudades do futuro, pois, para falar deste, ele precisa reconstruir o passado. Centrada na figura emblemática da atriz Nini Omã, Chapada Síria tem o toque clássico dos grandes dramas, com seus encontros, desencontros, desencantos, reencontros e reencantos – ao som de jazz-bands, fadistas e chorões.

Num tempo de intolerância com imigrantes – tempo vergonhoso – Renato Augusto arquiteta um painel de culturas migrantes bem no meio da selva amazônica. E neste ponto ele é verdadeiro. Manaus sempre foi esse amálgama de quereres e saberes, colores e sabores. Aos árabes e portugueses, somem-se japoneses e nordestinos, além dos irmãos paraenses, claro. E, agora mesmo, haitianos e venezuelanos.

É gratificante e exemplar ver o amigo Renato – na sabedoria de seus 83 anos – produzindo e fazendo planos. A leitura de Chapada Síria me fez viajar no tempo, Renato, lembrando a Manaus da minha meninice – um tempo anterior ao sinistro encontro com o chato de um querubim, que, com seus óculos ray-ban e seu alfanje de plástico, me escorraçou do meu paraíso, para sempre e sempre perdido.

(Zemaria Pinto)