Renato Augusto era membro titular da Academia Niteroiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Niterói. |
Poeta e ficcionista, o amazonense Renato Augusto Farias de Carvalho era dedicado ao seu ofício. Na sequência, a orelha que escrevi para Chapada Síria (2018), uma novela passada em uma Manaus que sobrevive apenas na lembrança e na arte.
A memória
é repositório e é arrimo. Nenhum escritor exerce sua lida sem dela servir-se,
por mais que o negue; e por mais que, negando-o, seja sincero. A infância e a
adolescência são o paraíso perdido do qual somos expulsos adultos. Sabendo
disso, Renato Augusto Farias de Carvalho destila sua prosa elegante – a
elegância é siamesa da simplicidade – a partir do manancial de sua própria
memória, recriando situações e personagens que fazem parte de suas lembranças
mais recônditas.
Ou não.
Afinal, o protocolo da ficção – e aqui estamos diante de uma novela, naquela
acepção bem luso-brasileira de narrativa de extensão mediana, com poucas
células dramáticas, e relação tempo/espaço bem definida – recomenda-nos não
confiar em narradores-personagens: os narradores testemunhas não conhecem a
trama como um todo, apenas aquilo que lhes foi concedido conhecer; os
narradores protagonistas, por sua vez, expressam o seu ponto de vista, que pode
ser parcial, também, mas, e esse é o problema, pode ser passional – vide
Bentinho, o D. Casmurro, desmascarado por Mrs. Caldwell depois de 60 anos...
Enfim,
Leninho, o narrador autodiegético de Chapada
Síria, revisita a Manaus de sua infância, mas não para referir melancolias
saudosistas: Leninho tem saudades do futuro, pois, para falar deste, ele
precisa reconstruir o passado. Centrada na figura emblemática da atriz Nini
Omã, Chapada Síria tem o toque
clássico dos grandes dramas, com seus encontros, desencontros, desencantos,
reencontros e reencantos – ao som de jazz-bands,
fadistas e chorões.
Num tempo
de intolerância com imigrantes – tempo vergonhoso – Renato Augusto arquiteta um
painel de culturas migrantes bem no meio da selva amazônica. E neste ponto ele
é verdadeiro. Manaus sempre foi esse amálgama de quereres e saberes, colores e
sabores. Aos árabes e portugueses, somem-se japoneses e nordestinos, além dos
irmãos paraenses, claro. E, agora mesmo, haitianos e venezuelanos.
É
gratificante e exemplar ver o amigo Renato – na sabedoria de seus 83 anos –
produzindo e fazendo planos. A leitura de Chapada
Síria me fez viajar no tempo, Renato, lembrando a Manaus da minha meninice
– um tempo anterior ao sinistro encontro com o chato de um querubim, que, com
seus óculos ray-ban e seu alfanje de plástico,
me escorraçou do meu paraíso, para sempre e sempre perdido.
(Zemaria Pinto)