A caranguejeira feliz
Thiago de Mello (1926-2022)
Estão afáveis os ferrões da aranha
pousada na madeira da manhã.
Caçadora noturna, ela está imóvel,
as pernas cabeludas estendidas.
Chego mais perto: dorme fatigada
sob o possante resplendor do dia.
Cada pêlo é um olho, e em cada olho
um brilho denso de felicidade.
Sobre a parede de maçaranduba,
na luz da antemanhã, antes a vira:
tinha o dorso coberto por um corpo
em tudo igual ao seu, só que mais negro.
Maravilhado vi: eram lentíssimos
os movimentos, sombra sobre sombra,
suavidades. No abraço vertical,
o amante delicado lhe agradava
os flancos com as patas eriçadas.
Deixei os dois na paz feita de fúria
no sonoro silêncio da floresta.
Ferrões afáveis, pernas distendidas,
indiferente à claridão, a aranha
amazônica dorme, e talvez sonhe
com quem feliz a fez antes da aurora.