Visão de
São Paulo à noite
Poema
Antropófago sob Narcótico
Roberto
Piva (1937-2010)
Na
esquina da rua São Luís uma procissão de mil pessoas
acende velas no meu crânio
há
místicos falando bobagens ao coração das viúvas
e um
silêncio de estrela partindo em vagão de luxo
fogo azul
de gim e tapete colorindo a noite, amantes
chupando-se como raízes
Maldoror
em taças de maré alta
na rua
São Luís o meu coração mastiga um trecho da minha vida
a cidade
com chaminés crescendo, anjos engraxates com sua gíria
feroz na plena alegria das praças,
meninas esfarrapadas
definitivamente fantásticas
há uma
floresta de cobras verdes nos olhos do meu amigo
a lua não
se apoia em nada
eu não me
apoio em nada
sou ponte
de granito sobre rodas de garagens subalternas
teorias
simples fervem minha mente enlouquecida
há bancos
verdes aplicados no corpo das praças
há um
sino que não toca
há anjos
de Rilke dando o cu nos mictórios
reino-vertigem
glorificado
espectros
vibrando espasmos
beijos
ecoando numa abóbada de reflexos
torneiras
tossindo, locomotivas uivando, adolescentes roucos
enlouquecidos na primeira infância
os
malandros jogam ioiô na porta do Abismo
eu vejo
Brama sentado em flor de lótus
Cristo
roubando a caixa dos milagres
Chet
Baker ganindo na vitrola
eu sinto
o choque de todos os fios saindo pelas portas
partidas do meu cérebro
eu vejo
putos putas patacos torres chumbo chapas chopes
vitrinas homens mulheres pederastas e
crianças cruzam-se e
abrem-se em mim como lua gás rua árvores
lua medrosos repuxos
colisão na ponte cego dormindo na
vitrina do horror
disparo-me
como uma tômbola
a cabeça
afundando-me na garganta
chove
sobre mim a minha vida inteira, sufoco ardo flutuo-me
nas tripas,
meu amor, eu carrego teu grito como um tesouro afundado
quisera
derramar sobre ti todo meu epiciclo de centopeias libertas
ânsia
fúria de janelas olhos bocas abertas, torvelins de vergonha,
correrias de maconha em piqueniques
flutuantes
vespas
passeando em volta das minhas ânsias
meninos
abandonados nus nas esquinas
angélicos
vagabundos gritando entre as lojas e os templos
entre a solidão e o sangue, entre as
colisões, o parto
e o Estrondo