Amigos do Fingidor

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

A poesia é necessária?

 

Prelúdio

Jorge Barbosa (1902–1971)

                                               

 (Para António Aurélio Gonçalves)

 

 

Quando o descobridor chegou à primeira ilha

nem homens nus

nem mulheres nuas

espreitando

inocentes e medrosos

detrás da vegetação.

 

Nem setas venenosas vindas no ar

nem gritos de alarme e de guerra

ecoando pelos montes.

 

Havia somente

as aves de rapina

de garras afiadas

as aves marítimas

de voo largo

as aves canoras

assobiando inéditas melodias.

 

E a vegetação

cujas sementes vieram presas

nas asas dos pássaros

ao serem arrastadas para cá

pelas fúrias dos temporais.

 

Quando o descobridor chegou

e saltou da proa do escaler varado na praia

enterrando

o pé direito na areia molhada

e se persignou

receoso ainda e surpreso

pensando n’El-Rei

nessa hora então

nessa hora inicial

começou a cumprir-se

este destino ainda de todos nós.