Alma e ritmo da raça
Bruno de Menezes (1893-1963)
A luz morde a pele de sombra e os cabelos
lustrosos quebrados da cor sem razão.
E os seios pitingas, o ventre em rebojo,
as ancas que vão num remanso rolando
no tombo do banjo.
A luz tatuou a nudez de baunilha
do corpo que cheira a resinas selvagens.
Botou-lhe entre os beiços de polpa mangabas
um quarto de lua mordido sorrindo.
No rosto crioulo dois sóis de jarina
brilhando nos olhos.
E o sumo baboso espumoso, meloso, da fruta leitosa rachada de
boa!
A carne transpira... E o almíscar da raça
É o cheiro “malino” que sai da mulata.
O banjo faz solo no fim do banzeiro:
– lundus choradinhos batuques maxixes.
E os braços se agitam, se afligem batendo,
As coxas se apertam se alargam se roçam
Os pés criam asas voando pousando.
É o Congo Luanda
Angola Moçambique
É o sangue zumbi
tentação do português.
As mãos vão palpando o balanço dos quartos
subindo pra nuca com os dedos fremindo,
rolando o compasso no fim da cadência.
Não é candomblé não é “Santa Bárbara”,
nem banzo banzado bom carimbo bolinoso;
– bailado benguela de gente sem nome
que agora machuca as “sinhora” e os “sinhô”.
Rolando ela faz o melexo de tudo
no tal peneirado de carnes macias...
Todinha canela em polvilho cheiroso,
folha seca de fumo enrolado no sol,
sua boca rescende a acidez que amortece.
Seu corpo que é todo que nem pão d’Angola
deve ter gostosuras de morte pedida
depois de dançar...
E o branco sentido xodó pela preta,
aguentando a mareta gemendo no fungo,
bem quer e não pode mas vai de teimoso
se acabar no rebolo da bamba africana...
A luz morde a pele de sombra e os cabelos
lustrosos quebrados da cor sem razão.
Também se fartou de cheirar cumaru
nos bicos dos peitos da preta inhambu.
E o banjo endoidece tinindo nas cordas
tantãs retesados.
O corpo viscoso se estorce nas pontas
dos pés maxixeiros.
A luz vai sumindo... E o banjo nos lembra
dos filhos do engenho, da escrava, da Isaura,
tão dungo no dengo
que é dom desta raça catuba no samba.
E fica rolando no espaço escurinho
O cheiro aromoso, o sumo baboso,
da fruta leitosa rachada de boa!