Amigos do Fingidor

quinta-feira, 30 de junho de 2022

A poesia é necessária?

 

Alma e ritmo da raça

Bruno de Menezes (1893-1963)

 

A luz morde a pele de sombra e os cabelos

lustrosos quebrados da cor sem razão.

E os seios pitingas, o ventre em rebojo,

as ancas que vão num remanso rolando

no tombo do banjo.

 

A luz tatuou a nudez de baunilha

do corpo que cheira a resinas selvagens.

Botou-lhe entre os beiços de polpa mangabas

um quarto de lua mordido sorrindo.

 

No rosto crioulo dois sóis de jarina

brilhando nos olhos.

E o sumo baboso espumoso, meloso, da fruta leitosa rachada de boa!

 

A carne transpira... E o almíscar da raça

É o cheiro “malino” que sai da mulata.

O banjo faz solo no fim do banzeiro:

– lundus choradinhos batuques maxixes.

 

E os braços se agitam, se afligem batendo,

As coxas se apertam se alargam se roçam

Os pés criam asas voando pousando.

É o Congo Luanda

Angola Moçambique

É o sangue zumbi

tentação do português.

 

As mãos vão palpando o balanço dos quartos

subindo pra nuca com os dedos fremindo,

rolando o compasso no fim da cadência.

 

Não é candomblé não é “Santa Bárbara”,

nem banzo banzado bom carimbo bolinoso;

– bailado benguela de gente sem nome

que agora machuca as “sinhora” e os “sinhô”.

Rolando ela faz o melexo de tudo

no tal peneirado de carnes macias...

 

Todinha canela em polvilho cheiroso,

folha seca de fumo enrolado no sol,

sua boca rescende a acidez que amortece.

Seu corpo que é todo que nem pão d’Angola

deve ter gostosuras de morte pedida

depois de dançar...

 

E o branco sentido xodó pela preta,

aguentando a mareta gemendo no fungo,

bem quer e não pode mas vai de teimoso

se acabar no rebolo da bamba africana...

 

A luz morde a pele de sombra e os cabelos

lustrosos quebrados da cor sem razão.

Também se fartou de cheirar cumaru

nos bicos dos peitos da preta inhambu.

 

E o banjo endoidece tinindo nas cordas

tantãs retesados.

O corpo viscoso se estorce nas pontas

dos pés maxixeiros.

 

A luz vai sumindo... E o banjo nos lembra

dos filhos do engenho, da escrava, da Isaura,

tão dungo no dengo

que é dom desta raça catuba no samba.

 

E fica rolando no espaço escurinho

O cheiro aromoso, o sumo baboso,

da fruta leitosa rachada de boa!