Amigos do Fingidor

quinta-feira, 23 de junho de 2022

A poesia é necessária?

 

Visão 1961

Roberto Piva (1937-2010)

 

as mentes ficaram sonhando penduradas nos esqueletos de fósforo

invocando as coxas do primeiro amor brilhando como uma flor de saliva

o frio dos lábios verdes deixou uma marca azul-clara debaixo do pálido

maxilar ainda desesperadamente fechado sobre o seu mágico vazio

marchas nômades através da vida noturna fazendo desaparecer o perfume

das velas e dos violinos que brota dos túmulos sob as nuvens de chuva

fagulha de lua partida precipitava nos becos frenéticos onde

cafetinas magras ajoelhadas no tapete tocando o trombone de vidro

da Loucura repartiam lascas de hóstias invisíveis

a náusea circulava nas galerias entre borboletas adiposas

e lábios de menina febril colados na vitrina onde almas coloridas

tinham 10% de desconto enquanto costureiros arrancavam os ovários

dos manequins

minhas alucinações pendiam fora da alma protegida por caixas de matéria

plástica eriçando o pelo através das ruas iluminadas e nos arrabaldes

de lábios apodrecidos

na solidão de um comboio de maconha Mário de Andrade surge como um

Lótus colando sua boca no meu ouvido fitando as estrelas e o céu

que renascem nas caminhadas

noite profunda de cinemas iluminados e lâmpada azul da alma desarticulando

aos trambolhões pelas esquinas onde conheci os estranhos

visionários da Beleza

já é quinta-feira na avenida Rio Branco onde um enxame de Harpias

vacilava com cabelos presos nos luminosos e minha imaginação

gritava no perpétuo impulso dos corpos encerrados pela

Noite

 os banqueiros mandam aos comissários lindas caixas azuis de excrementos

secos enquanto um milhão de anjos em cólera gritam nas assembleias

de cinza OH cidade de lábios tristes e trêmulos onde encontrar

asilo na tua face?

no espaço de uma Tarde os moluscos engoliram suas mãos

em sua vida de Camomila nas vielas onde meninos dão o cu

e jogam malha e os papagaios morrem de Tédio nas cozinhas

engorduradas

a Bolsa de Valores e os Fonógrafos pintaram seus lábios com urtigas

sob o chapéu de prata do ditador Tacanho e o ferro e a borracha

verteram monstros inconcebíveis

ao sudoeste do teu sonho uma dúzia de anjos de pijama urinam com

transporte e em silêncio nos telefones nas portas nos capachos

das Catedrais sem Deus

imensos telegramas moribundos trocam entre si abraços e condolências

pendurando nos cabides de vento das maternidades um batalhão

de novos idiotas

os professores são máquinas de fezes conquistadas pelo Tempo invocando

em jejum de Vida as trombetas de fogo do Apocalipse

afã irrisório de ossadas inchadas pela chuva e bomba H árvore

branca coberta de anjos e loucos adiando seus frutos

até o século futuro

meus êxtases não admitindo mais o calor das mãos e o brilho

platônico dos postes da rua Aurora comichando nas omoplatas

irreais do meu Delírio

arte culinária ensinada nos apopléticos vagões da Seriedade por

quinze mil perdidas almas sem rosto destrinçando barrigas

adolescentes numa Apoteose de intestinos

porres acabando lentamente nas alamedas de mendigos perdidos esperando

a sangria diurna de olhos findos e neblina enrolada na voz

exaurida na distância

cus de granito destruídos com estardalhaço nos subúrbios demoníacos pelo

cometa sem fé meditando beatamente nos púlpitos agonizantes

minhas tristezas quilometradas ir pela sensível persiana semiaberta da

Pureza Estagnada e gargarejo de amêndoas emocionante nas palavras

cruzadas no olhar

as névoas enganadoras das maravilhas consumidas sobre o arco-íris

de Orfeu amortalhado despejavam um milhão de crianças atrás das

portas sofrendo

nos espelhos meninas desarticuladas pelos mitos recém-nascidos vagabundeavam

acompanhadas pelas pombas a serem fuziladas pelo veneno

da noite no coração seco do amor solar

meu pequeno Dostoiévski no último corrimão do ciclone de almofadas

furadas derrama sua cabeça e sua barba como um enxoval noturno

estende até o Mar

no exílio onde padeço angústia os muros invadem minha memória

atirada no Abismo e meus olhos meus manuscritos meus amores

pulam no Caos