Tarifa de embarque
Wally Salomão (1943-2003)
Sou sírio. O que é que te assombra,
estrangeiro, se o mundo é a pátria em que
todos vivemos, paridos pelo caos?
Meleagro de Gádara (100 a.C.)
Não te
decepciones
ao pisares
os pés no pó
que cobre a
estrada real de Damasco.
Não
descerres cortinas fantasmagóricas:
camadas de
folheados
– água de
flor de roseira
água de
flor de laranjeira –
que guloso
engolias,
gravuras de
aldeãs portando ânforas ou cântaros,
cartões do
templo de Baal
e das
ruínas do reino de Zanubia em Palmira,
fotos do
Allepo, Latakia, Tartus, Arward
que em
criança folheavas nas páginas da revista ORIENTE
na idade de
ouro solitária e febril
por entre
as pilhas de fardos de tecidos
da loja
Samira;
arabescos,
poços, atalaias, minaretes, muezins, curvas
caligrafias
torravam teus cílios, tuas retinas
no vão afã
de erigires uma fonte e origem e lugar ao sol
na moldura
acanhada do mundo.
Síria
nenhuma iguala a Síria
que guardas
intacta na tua mente régia.
Nunca viste
o narguilé de ouro que tua avó paterna
– Kadije
Sabra Suleiman –
exibia e
fumava e borbulhava nos dias festivos
da ilha de
Arward.
Retire da
tela teu imaginário inchado
de filho de
imigrante
e sereno
perambule e perambule desassossegado
e perambule
agarrado e desgarrado perambule
e perambule
e perambule e perambule.
Perambule
– eis o
único dote que as fatalidades te oferecem.
Perambule
– as
divindades te dotam deste único talento.