Amigos do Fingidor

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

A poesia é necessária?

 

Assoviando Santa Helena                

Jalna Gordiano

 

Eu assovio muito mal.

Minha língua foi quase decepada, mas isso não justifica.

Nunca assoviei direito.

Me magoo facilmente.

Guardo rancores.

Planejo vinganças. Esqueço delas.

Não desejo o mal de ninguém que me fez mal.

Mas, quando acontece, não finjo que não fiquei feliz.

Quando eu engordo, engorda logo a barriga.

Quando emagreço, secam logo as pernas.

Já matei gente com palavras e indiferença.

Da mesma forma me mataram.

Já cortei muitas asinhas.

Arrancaram minhas asas no dente.

Aprendi a levitar à força.

Já me fuzilaram com palavras.

Visito cemitérios sem ter quem visitar.

Sinto melhor em cemitérios que em praças.

Também gosto de supermercados.

Converso com meus amigos mortos todos os dias.

Às vezes, choro de saudade. Dói.

Gosto de gente. De longe.

Perto, geralmente machucam.

Por isso mando as pessoas embora e ligo a televisão pra fingir que tem alguém em casa.

Quando enjoa, desligo.

Ainda trago doçura no coração.

Guardo-a dentro de um bunker.

Meus filhos tem acesso a esse bunker.

Mas mostro-lhes a maldade vez ou outra.

Gozo melhor sozinha.

Detesto gente burra de propósito.

Detesto barulho de água.

Amo chuva.

Fui gerada numa tempestade e parida num vendaval.

Nado tão bem quanto uma pedra.

Se pudesse, viveria bêbada.

Preciso trabalhar, então não vivo.

Se pudesse, comeria a maçã envenenada.

Preciso trabalhar, então não durmo.

Não sei o que você vai fazer agora, com essas informações.

Nada.

Faça o que lhe for da cabeça.

Você não pode me destruir.

Vou desligar a tv, fazer o jantar e dançar.