Zemaria Pinto
O primeiro
movimento teria como assuntos a juventude, a vida sem rumo, e, como decorrência
disso, a passagem inexorável do tempo e a inevitável solidão. Era aquela
melancolia traduzida num andamento inicialmente largo, para em seguida
transformar-se num alegro, representando a descoberta da poesia e do amor.
Deveria ter de 7 a 8 sonetos.
O segundo
movimento, por outro lado, num andamento de adágio, representaria a perda,
totalizaria a dor. Teria 3 ou 4 poemas.
O terceiro
movimento teria a responsabilidade de apagar a impressão de tristeza deixada
pelo anterior e ao mesmo tempo preparar o grand
finale. Um alegro moderato. Desde
o início, defini que, nesta seção, trataria de mitos, emprestando à “música” a
ambiência mágica anteriormente planejada. Mas não seriam quaisquer mitos.
Seriam meus, pessoais, exclusivos. Ateu, meus mitos são as representações
simbólicas da minha realidade fraturada – metáforas e alegorias do abismo entre
o desejo do ser e o ser do desejo. 6 a 7 poemas.
Finalmente,
o quarto movimento deveria ser uma celebração à poesia, daí o seu andamento
presto, triunfante. 3 a 4 poemas, não mais.
Se
contasse o número de poemas pelo máximo, teria 23 sonetos. Pelo mínimo, 19.
Números feios, nada sugestivos. Como a coisa já ia se alongando e o primeiro
poema já começara a tomar forma (“a ti entrego-te meu braço destro / meu sexo
meus olhos e meus delírios”) resolvi batizá-lo com o número 21, e ele seria o
“fechamento” do poema – afinal, o 21 é um número carregado de simbolismos,
múltiplo que é de 3 e de 7, números relacionados com o sagrado e o místico. Ou
seja, dividindo o número de poemas por seção, de acordo com o que considerei a
duração ideal da música em cada movimento, dando a cada um deles números pares
de poemas, com exceção do último, que sintetizaria em três poemas cada um dos
movimentos anteriores, estava definida a extensão do poema: 21 sonetos ou 294
versos. Mas, devo dizer que nada disso guarda qualquer relação com numerologia,
cabala ou tarô – é apenas uma estrutura numérica.
É preciso
esclarecer, embora óbvio para o leitor de poesia, que um poema se faz de outros
poemas e de toda a tradição que o antecede. Tem sido assim desde sempre. Um
poema ecoa outros poemas. Por isso, não deve estranhar o leitor pouco afeito às
citações que ocorrem ao longo de um poema, que, quando reveladas, parecem
pedantismo acadêmico ou falta de originalidade. A música pop inventou o verbo
“samplear”. Na Universidade chamam a isso de intertextos ou, o que é muito mais
poético, palimpsestos – escritos sobre outros escritos.
Forma,
assunto, extensão, um título provisório e até mesmo uma “chave de ouro” –
estava esboçado o meu poema. Mas é preciso dizer que a diversidade do item
assunto colocou-me frente a um outro problema: o tom do poema. Percebi então
que esse tom já estava definido no próprio andamento de cada movimento: o largo
é melancólico; o adágio é triste. Ambos trazem uma carga de negatividade
existencial e filosófica relacionada ao mal e ao não-ser. Era preciso enfatizar
isso. Mas o alegro do primeiro movimento deveria reverter essa situação,
levando-a a um paroxismo de plenitude. Por isso o alegro deveria trazer à tona
uma visão nova do Homem. Isso me deu outra definição: o sexto poema do primeiro
movimento seria uma referência direta ao mal interpretado Nietzsche, uma
leitura que me acompanhava havia muito tempo, seguida de uma abordagem amorosa
do que vem a ser o fazer poético.
Quanto ao
alegro moderato relacionado aos
mitos, o melhor tom que se me afigurou foi o da ironia enquanto valor positivo,
onde a repulsa se transforma, numa leitura menos banal, em atração fatal. O tom
do último movimento deveria sintetizar, como já disse antes, os outros três. Um
poema de tom positivo partindo de uma situação negativa, uma louvação à poesia.
Um segundo poema, dilacerado, contaminado pela dor da perda e permitindo que
esta contamine a própria elaboração poética. Finalmente, o poema de número 21,
num procedimento dialético, seria um canto de amor e de entrega à poesia.