Amigos do Fingidor

terça-feira, 4 de maio de 2010

Foto de mulher

Marco Adolfs



O cadáver estava estendido no chão, coberto por um lençol e ladeado por duas velas acesas. Nada mais prosaico, hoje em dia, que um cadáver assim, pensei.

– Não, ninguém conhece – disse dona Marina, moradora do sexto andar do meu prédio. – Parece um turista – observou outra, curiosa.

Agachei-me, levantei o lençol para ver melhor onde a bala tinha entrado e vi a carteira saindo do bolso da bermuda. Era de couro e apresentava-se um pouco gasta. Puxei-a lentamente, levantei-me e comecei a vasculhar lá dentro. Tinha alguns dólares, alguns documentos necessários e a cédula de identidade: Hermírio Fraga; data do nascimento em 1946; naturalidade brasileira; nascido no Rio de Janeiro. Mas o que mais me chamou a atenção em um dos compartimentos daquela carteira foi uma fotografia 3X4 de uma bela mulher. A cabeça envolvida por um manto. Parecia de origem árabe.

Olhei ao redor e então pensei que naquela Avenida de Nossa Senhora de Copacabana, precisamente naquele trecho, um corpo como aquele deveria ter sido atropelado por um ônibus e não ter sido atingido por uma bala.

– O que foi que houve? Alguém viu quem atirou? – perguntei, olhando de volta para a plateia.

– A bala saiu de um desses prédios – afirmou um senhor de meia-idade, adiantando-se.

– O senhor tem certeza? – perguntei.

– Absoluta – respondeu.

“Trabalho de pistoleiro” – pensei precipitadamente –. “contratado por alguém, ou por vingança, ou para queima de arquivo?” Puxei meu celular do bolso e liguei para a delegacia relatando o fato. Logo o corpo seria removido e eu iniciaria as investigações de praxe, já que aquela morte caía sob a minha jurisdição.

Mas o que mais me intrigava naquela história não era a morte, nem o morto, nem a forma como aconteceu, mas sim a existência daquela fotografia de uma bela mulher na carteira da vítima. Por um obscuro instinto policialesco eu desconfiava que aquela foto talvez se tornasse a parte mais importante de toda a minha investigação.

Bala saindo pela janela de um prédio, morte de um provável homem solteiro, foto de mulher bonita na carteira?... Sei não... Poderia ser um crime de paixão. Encomendado ou praticado diretamente pelo ciúme de alguém.

“Mais um caso para o investigador Parreira resolver” pensei, aborrecido e entediado com tudo aquilo.

Ao sair do local do crime, fui direto para uma lanchonete de esquina e comi um pastel oleoso, acompanhado de refresco de caju. Aquela foto de mulher começava a me dizer tudo. E a minha barriga também.