Amigos do Fingidor

terça-feira, 11 de maio de 2010

O seringal

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Marco Adolfs


...Bem, o que lembro daquele seringal? E o que posso relatar daqueles anos de crise? Lembro do látex transpirado e transformado. Do tempo lento e de pessoas acomodadas àquela vida. E eu com todo o tempo de minha infância para observar e viver tudo aquilo. Os barracões e cabanas; os trechos da floresta; e o rio. Meus passeios de canoa, ouvindo ao longe os apitos de vapores que passavam e que aportavam. Às vezes sentava-me à varanda do barracão principal e, enquanto comia alguma fruta, pensava em como era bom viver ali. Apesar da solidão das noites chuvosas. Mas nesses momentos, deitado em minha rede, eu escutava os milhões de pingos despejados por entre as árvores. Uma enorme canção de ninar sem tempo para terminar. Desviava então o meu olhar infantil para a luz difusa de um candeeiro, colocado na cozinha, ali perto. Naquele instante meus olhos tentavam desvendar o sentido da minha existência. Relembrava das brincadeiras e das histórias. Das manhãs e tardes quando o sol brilhava intensamente lá fora e o rio se fazia tão maravilhosamente presente.

Foi nesse mundo tão plástico e elástico, mas ao mesmo tempo tão concentrado, que eu via o meu pai a comandar as ações dos homens e depois desaparecendo por longos períodos de viagem. Elástico e concentrado. Eu o via assim. E sempre de roupa branca, engomada e brilhando ao sol. Fiquei sabendo que aquelas roupas eram inglesas. No seringal tudo parecia vir de longe. Só a borracha é que vinha ali de perto. Elástica e concentrada. Lembro das pélas concentradas e arrumadas na praia, exalando aquele odor característico, à espera do vapor que as transportaria. E meu pai a comandar e a despachar tudo. Ele se chamava José Simas de Andrade. Dono do seringal “Vitória”. Carregando sempre um chapéu de palha na cabeça que tirava de vez em quando para se abanar e afastar o suor que escorria de seu rosto vermelho e volumoso. Meu pai era um homem gordo e alegre. Gostava de fartura e trazia muitos presentes quando voltava de suas constantes viagens. É claro que naquele tempo ele tinha muitos problemas para resolver: contratar mão-de-obra para a extração do látex; comprar mantimentos; despachar as pélas e manter minha mãe e sua prole. E isso era tudo.