Zemaria Pinto
As edições ordinárias, entretanto , trazem apenas os 58 poemas da edição original , acrescentando-lhes os 85 poemas recolhidos até a trigésima edição , num total de 143 poemas . A verdade é que boa parte desses poemas fora da edição original seriam desprezados pelo poeta , por já não refletirem o seu ideal estético ou por serem obra canhestra de um poeta ainda em formação . Faça-se a exceção necessária para os poemas compostos após a edição do Eu , entre 1912 e 1914, quando o poeta , maduro , tinha o total domínio da sua arte .
O título mais apropriado , portanto , seria Eu e outros poemas .
1) Gênero
Embora seja tentador dizer que o Eu contempla todas as variantes do gênero poético (épico, dramático e lírico), devemos, por questões didáticas, adotar apenas aquele sobre o qual não paira nenhuma discussão e que é, sem dúvida, o predominante. Assim, por ser a expressão sentimental e meditativa de um “eu”, individualizado e subjetivo, concluímos que o Eu filia-se ao gênero poesia lírica. A este “eu” a que nos referimos, chamaremos de “eu lírico”. É o sujeito emissor, o que fala, é a “voz” do poema. Não podemos, entretanto, confundi-lo com o poeta, embora, muitas vezes, este se identifique claramente com e como o “eu lírico”. Você poderá observar a sinceridade de Augusto dos Anjos em inúmeros poemas, onde são feitas referências à sua vida pessoal: o pai e o filho mortos, o Engenho Pau d’Arco, a ama de leite Guilhermina etc. Mas não podemos nos esquecer da lição de Fernando Pessoa:
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Podemos agrupar os poemas do Eu, numa primeira visada, entre poemas curtos e longos. Entre os curtos, a predominância absoluta é do soneto, que, como você sabe, é um poema de 14 versos. Augusto dos Anjos não varia os seus sonetos, a não ser pelos esquemas das rimas. De resto, usa sempre o verso decassílabo, vazado em dois quartetos e dois tercetos. São 42 sonetos ao todo, sem contar com um incrustado no longo poema Os doentes. Se você gosta de números, já deve ter feito a conta: mais de 70% das composições têm essa forma, o que reforça a ideia do lirismo predominante. Sim, predominante, porque os poemas longos têm um quê entre o épico (narrativo) e o dramático (por se prestar à representação cênica), embora sejam expressão, também, de um “eu lírico”.
Do ponto de vista formal, dois poemas parecem totalmente deslocados dentro do conjunto: Duas Estrofes e Barcarola. O primeiro tem doze versos, distribuídos em dois sextetos (as duas estrofes do título); o segundo, um conjunto de dezoito quadras, em redondilhas maiores (heptassílabos), é o único poema em todo o livro a não usar o verso decassílabo. Veja a ironia: um poema curto, outro relativamente longo. A uni-los o mesmo motivo: a morte.