Amigos do Fingidor

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Uma análise do Eu – 7/13

Zemaria Pinto

3) Estilo


Definir o estilo de época no qual Augusto dos Anjos se enquadra é assunto controverso. A maioria dos historiadores prefere colocá-lo naquele vácuo chamado Pré-Modernismo, que vai de 1902 a 1922. A data inicial marca a publicação de dois livros que não se enquadravam dentro do Realismo-Naturalismo, que já dava sinais de esgotamento: Os Sertões, de Euclides da Cunha, e Canaã, de Graça Aranha. Na poesia, entretanto, o Parnasianismo continuava fazendo sucesso, embora o melhor dessa escola tenha sido escrito nos últimos vinte anos do século XIX. Da mesma forma, O Simbolismo, embora mais timidamente, continuava a arrebanhar adeptos por todo o país, mas seu principal autor, Cruz e Sousa, falecera, aos 36 anos, em 1898.

                Tendo produzido sua obra num período de transição, é natural que encontremos elementos herdados das escolas anteriores, mas, como veremos, é como antecipador do Modernismo que Augusto dos Anjos merece um lugar de destaque na história da literatura brasileira.

                 Ao datar a produção poética de Augusto dos Anjos, o professor Zenir Campos Reis tomou como base a época da publicação dos trabalhos em periódicos, ficando estabelecido que o que conhecemos do autor foi escrito entre 1900 e 1914. Assim, fica relativamente simples dividir a obra de Augusto dos Anjos em três fases: a primeira, de 1900 a 1905; a segunda, de 1906 a 1912; a terceira de 1913 a 1914.

Essa divisão leva em conta dois fatores: a temática dos poemas e a publicação do Eu. Os poemas da terceira fase foram produzidos após a publicação do Eu; logo, estão fora do escopo do nosso trabalho. Dos poemas da primeira fase, apenas 13 foram publicados na primeira edição: Vencedor, Vandalismo, Eterna Mágoa, A ilha de Cipango, Soneto I - A meu pai doente, Soneto II - A meu pai morto, Vozes de um túmulo, Barcarola, A árvore da serra, Mater, Insônia, Uma noite no Cairo, Solitário.

O que temos nessa lista, leitor? De tudo um pouco. Romantismo em A árvore da serra. Parnasianismo em Vencedor. Simbolismo em Vandalismo. O poeta procura caminhos. A estética da dor já se mostra afiada na melancolia com que ele se expressa e a degradação da humanidade mostra-se pela recorrência do motivo morte e pelos ambientes sombrios que ele retrata. Mas está longe ainda do poeta de Os doentes ou de Monólogo de uma sombra.  Leia cada um dos poemas e constate o que dissemos. Como exercício, procure enquadrar os outros dez poemas dessa fase em um dos estilos citados, a partir do levantamento de suas características mais marcantes.

Na segunda fase, temos a produção dos outros 45 poemas do livro. Cronologicamente, o primeiro poema dessa fase é Queixas noturnas 

Quem foi que viu a minha Dor chorando?!
Saio. Minh’alma sai agoniada.
Andam monstros sombrios pela estrada
E pela estrada, entre estes monstros, ando! 

A dicção mudou completamente. A estética da dor encontrou o seu tom: 

Sobre histórias de amor o interrogar-me
É vão, é inútil, é improfícuo, em suma;
Não sou capaz de amar mulher alguma
Nem há mulher talvez capaz de amar-me. 

O amor tem favos e tem caldos quentes
E ao mesmo tempo que faz bem, faz mal;
O coração do Poeta é um hospital
Onde morreram todos os doentes.  

A escolha é clara. Não ao Romantismo, ao negar a possibilidade do amor. Não ao Parnasianismo, ao optar pelo sujo e pelo podre. Não também ao Simbolismo, ao optar por uma linguagem direta e objetiva, que parece criar imagens simbólicas, mas cuja apreensão é imediata.

O segundo trabalho dessa nova fase é o Poema negro, do qual transcrevemos a estrofe final: 

Ao terminar este sentido poema
Onde vazei a minha dor suprema
Tenho os olhos em lágrimas imersos...
Rola-me na cabeça o cérebro oco.
Por ventura, meu Deus, estarei louco?!
Daqui por diante não farei mais versos. 

Com certeza, ele não faria mais versos como os que fizera até então. Por isso, antes de entrarmos nas considerações sobre qual o estilo predominante nesta segunda fase, transcreveremos o poema que seria, do ponto de vista cronológico de publicação, o terceiro, e que é, sem dúvida, o mais popular entre os poemas de Augusto dos Anjos, Versos Íntimos: 

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável! 

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera. 

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja. 

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!    

Milênios de pessimismo estão diluídos nesse soneto, sobre o qual se criou a mística de ter sido escrito em 1901, quando o autor tinha apenas 17 anos de idade. Esse erro vem desde a primeira edição, mas é preciso que se diga que, pela temática, pelo tom e pelo domínio técnico, o mais provável é que seja mesmo de 1906, ano em que foi publicado pela primeira vez. Ou você acredita, leitor, que o poeta guardaria essa preciosidade na gaveta, por cinco longos anos?... Com ele, o poeta encontrava, definitivamente, o caminho para mostrar a degradação humana, pela estética da dor. A forma também se definia: nos poemas longos, como Queixas noturnas e o Poema negro, temos narrativas que misturam visões cotidianas com visões oníricas, prestando-se, de certa forma, à representação dramática; nos sonetos, o poeta concentraria reflexões mais imediatas, embora nem por isso menos contundentes.