João
Bosco Botelho
O câncer não é uma única doença! Na
realidade são centenas de tipos diferentes, que se manifestam por meio de
vários tipos de gravidades clínicas. Algumas formas com pouca agressividade
biológica, ainda que sem tratamento, não oferecem risco à vida. Outras, sem
explicação e nexo com o tipo de vida do doente, aparecem com grande
agressividade, mesmo com todos os recursos de tratamento disponíveis, determinam
a morte em pouco tempo.
Também
é importante relembrar que os cânceres só não se manifestam nos cabelos e nas unhas
porque são tecidos de granulação. Fora desses dois segmentos, os cânceres podem
ocorrer em qualquer outra parte do corpo, idades e condição socioeconômica,
inclusive e estranhamente no feto em formação.
Algumas
formas, como os cânceres de colo uterino, absolutamente passíveis de
diagnósticos precoces por meio do exame preventivo, têm forte relação com
infecções de vírus no colo uterino e certas condições traumáticas: precocidade
das relações sexuais, muitos partos normais e repetidas infecções
ginecológicas. Em incontáveis outras, não é possível estabelecer qualquer linha
causal.
As
pessoas continuam, com justa razão, alertas contra o câncer como a mais
importante doença da atualidade. Por outro lado, os recursos médicos
disponíveis não oferecem, na maior parte dos casos, respostas convincentes.
É provável que a enfermidade
cancerosa seja o saldo de muitos distúrbios ainda desconhecidos do equilíbrio
celular, provocados por múltiplos fatores internos e externos à célula. Os
determinantes intrínsecos seriam representados pelos códigos genéticos
específicos para cada tipo de câncer na estrutura do genoma (como o teclado de
um piano) e os extrínsecos pelos incontáveis fatores físicos, químicos e
biológicos que poderiam estimular a chave genética (atuando repetidamente no
teclado, produzindo sons desafinados).
Funcionaria, mais ou menos, assim:
cada ser humano teria o seu próprio teclado de informações genéticas produzindo
partituras harmoniosas e sequenciadas em estrito equilíbrio dinâmico com os elementos
circundantes externos. Em determinado momento, o teclado ao ser tocado de forma
incorreta, possivelmente por influência de um ou mais fatores extrínsecos, forneceria
um som estranho à partitura da organização da vida, dando como resultado o
câncer.
Isso deve acontecer muito mais vezes
do que supomos. Estatisticamente é pouco provável que os milhões de combinações
físico-químicas efetuadas de uma só vez, a cada segundo, não comportem erros. Todos
os dias o homem produz uma fantástica quantidade de proteínas sob a regência
genômica, que se colocadas em linha reta, alcançaria várias quilômetros de
comprimento.
Certamente que estamos submetidos, durante
toda a vida, aos processos cancerosos. A grande dúvida é saber por que as
defesas imunológicas do corpo conseguem bloquear a maior parte dos cânceres e
perde a capacidade para outros.
Muitos dos mais respeitados
cancerologistas, como o pesquisador francês Dominique Stehelin, um dos
responsáveis pela descoberta do oncogene (o fator intrínseco contido no teclado
do piano) afirma que o câncer é a doença mais complicada do homem.
O exemplo mais marcante e
socialmente importante é a relação entre o hábito de fumar cigarros e o câncer de
pulmão. As pesquisas realizadas pelo Instituto de Câncer de Amsterdã (Holanda) mostraram
o mesmo defeito no gene K‑Ras em trinta e nove pacientes fumantes.
Certos componentes da fumaça do
tabaco alcançariam o décimo segundo aminoácido do gene humano (cada gene é
formado por milhares de aminoácidos) causando o câncer pulmonar. Contudo, uma
pessoa pode fumar a vida inteira e não morrer de câncer. Como se o seu teclado,
por mais que seja estimulado, não forneça o som desarmônico.
Não existe dúvida de que a ação
antitabagista conseguiu reverter a curva de mortalidade do câncer do pulmão. Pela
primeira vez, em 1989, após várias décadas, o Jornal do National Cancer
Institute publicou a comprovação epidemiológica da diminuição das mortes
por ano causadas pela neoplasia pulmonar.
Como ainda não dispomos de
tratamento eficaz para a maior parte dos cânceres, a política publica de saúde
está voltada para o reforço do diagnóstico precoce e para as campanhas de
alertas contra os fatores externos relacionados com o aparecimento de certos
tipos de tumores.