Amigos do Fingidor

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Câncer: a partitura desarmônica da vida



João Bosco Botelho

 

            O câncer não é uma única doença! Na realidade são centenas de tipos diferentes, que se manifestam por meio de vários tipos de gravidades clínicas. Algumas formas com pouca agressividade biológica, ainda que sem tratamento, não oferecem risco à vida. Outras, sem explicação e nexo com o tipo de vida do doente, aparecem com grande agressividade, mesmo com todos os recursos de tratamento disponíveis, determinam a morte em pouco tempo.

Também é importante relembrar que os cânceres só não se manifestam nos cabelos e nas unhas porque são tecidos de granulação. Fora desses dois segmentos, os cânceres podem ocorrer em qualquer outra parte do corpo, idades e condição socioeconômica, inclusive e estranhamente no feto em formação.

Algumas formas, como os cânceres de colo uterino, absolutamente passíveis de diagnósticos precoces por meio do exame preventivo, têm forte relação com infecções de vírus no colo uterino e certas condições traumáticas: precocidade das relações sexuais, muitos partos normais e repetidas infecções ginecológicas. Em incontáveis outras, não é possível estabelecer qualquer linha causal.

As pessoas continuam, com justa razão, alertas contra o câncer como a mais importante doença da atualidade. Por outro lado, os recursos médicos disponíveis não oferecem, na maior parte dos casos, respostas convincentes.

            É provável que a enfermidade cancerosa seja o saldo de muitos distúrbios ainda desconhecidos do equilíbrio celular, provocados por múltiplos fatores internos e externos à célula. Os determinantes intrínsecos seriam representados pelos códigos genéticos específicos para cada tipo de câncer na estrutura do genoma (como o teclado de um piano) e os extrínsecos pelos incontáveis fatores físicos, químicos e biológicos que poderiam estimular a chave genética (atuando repetidamente no teclado, produzindo sons desafinados).

            Funcionaria, mais ou menos, assim: cada ser humano teria o seu próprio teclado de informações genéticas produzindo partituras harmoniosas e sequenciadas em estrito equilíbrio dinâmico com os elementos circundantes externos. Em determinado momento, o teclado ao ser tocado de forma incorreta, possivelmente por influência de um ou mais fatores extrínsecos, forneceria um som estranho à partitura da organização da vida, dando como resultado o câncer.

            Isso deve acontecer muito mais vezes do que supomos. Estatisticamente é pouco provável que os milhões de combinações físico-químicas efetuadas de uma só vez, a cada segundo, não comportem erros. Todos os dias o homem produz uma fantástica quantidade de proteínas sob a regência genômica, que se colocadas em linha reta, alcançaria várias quilômetros de comprimento.

            Certamente que estamos submetidos, durante toda a vida, aos processos cancerosos. A grande dúvida é saber por que as defesas imunológicas do corpo conseguem bloquear a maior parte dos cânceres e perde a capacidade para outros.

            Muitos dos mais respeitados cancerologistas, como o pesquisa­dor francês Dominique Stehelin, um dos responsáveis pela descoberta do oncogene (o fator intrínseco contido no teclado do piano) afirma que o câncer é a doença mais complicada do homem.

            O exemplo mais marcante e socialmente importante é a relação entre o hábito de fumar cigarros e o câncer de pulmão. As pesquisas realizadas pelo Instituto de Câncer de Amsterdã (Holanda) mostraram o mesmo defeito no gene K‑Ras em trinta e nove pacientes fumantes.

            Certos componentes da fumaça do tabaco alcançariam o décimo segundo aminoácido do gene humano (cada gene é formado por milhares de aminoácidos) causando o câncer pulmonar. Contudo, uma pessoa pode fumar a vida inteira e não morrer de câncer. Como se o seu teclado, por mais que seja estimulado, não forneça o som desarmônico.

            Não existe dúvida de que a ação antitabagista conseguiu reverter a curva de mortalidade do câncer do pulmão. Pela primeira vez, em 1989, após várias décadas, o Jornal do National Cancer Institute publicou a comprovação epidemiológica da diminuição das mortes por ano causadas pela neoplasia pulmonar.

            Como ainda não dispomos de tratamento eficaz para a maior parte dos cânceres, a política publica de saúde está voltada para o reforço do diagnóstico precoce e para as campanhas de alertas contra os fatores externos relacionados com o aparecimento de certos tipos de tumores.