Amigos do Fingidor

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Paraíso, caridade e hospitais na Europa medieval 1/2


João Bosco Botelho

 

Hospitalários de São João, Antoninos e Espírito Santo


A etimologia de paraíso tem ligação com paradaiza, do persa, que originou pardes, no hebreu, e paradeisos, no grego, significando jardim. Sem dúvida, não um jardim qualquer, mas retratando o lugar pleno de conforto e prazeres.

Cipriano, no século 3, destacou-se na primeira concepção cristã de eternidade com bem-aventurança, plena de fartura e felicidades: “Uma terra luxuriante, na qual os campos verdejantes estão cobertos de plantas nutritivas e guardam intactas suas flores perfumadas”. Na mesma linha, São Pedro Damião, no século 11, adicionou o pressuposto de que no paraíso, não existiria a miséria presente no medievo: “Não vemos mais nem lama, nem lodo, nem contágio. Aqui, o horrível inverno não castiga mais, nem o tórrido verão. A floração contínua de rosas cria uma primavera perpétua”. 

Atentos ao protestantismo que recusava as idéias de um paraíso materializado, os teóricos do Concílio de Trento (1545-1563) iniciaram o processo para adicionar obrigações que justificassem o acesso à bem-aventurança após a morte, com destaque à participação laica na graça santificante.

Os cristãos uniram as determinações conciliares à caridade, para garantir as delícias do paraíso, após a morte. Com a aquiescência da Igreja, entenderam que a ajuda prestada aos enfermos desamparados, com certeza, contaria créditos para que fossem esquecidas, no Julgamento Final, as injúrias e crimes cometidos durante a vida, não importando quantos malefícios tivessem causado.

Sem que os teóricos trentinos tivessem especificado como seria a ajuda aos doentes, o senso comum firmou duas alternativas: abrigar os doentes nos castelos ou agrupá-los em instituições administradas pela Igreja. A primeira, presente nas canções de cavalaria, foi discretamente rejeitada pelos senhores feudais, temerosos da contaminação pelas doenças infecciosas, em especial, a lepra e a peste. Então, só para os ricos, a segunda tornou-se instrumento para alcançar o paraíso por meio das generosas contribuições para construir os L’Hôtel de Dieu (Hotel de Deus) e os Xenodochium pauperum, debilium et  infirmorum (Hospital  dos pobres, dos fracos e dos  enfermos) e manter longe os pestilentos.

Como os donativos somaram quantias inimagináveis – afinal, os abastados desejavam as delícias do paraíso depois da morte –, tornou-se necessário criar novas ordens religiosas para administrar a fortuna e os novos hospitais. Entre as mais importantes, destacaram-se os Hospitalários de São João, Antoninos e Espírito Santo, que atuaram intensamente em vários reinos europeus, em especial em Portugal, onde os avanços sociais e políticos contra os dogmas eclesiásticos medievais foram muito mais tardios se comparados aos reinos da França, Itália e Inglaterra.