Luciano Maia
Dentre os trabalhos de
análise crítica da obra do poeta Augusto dos Anjos, surgiu, em 2012, em Manaus,
o livro A invenção do expressionismo em
Augusto dos Anjos, de Zemaria Pinto. Adianto que não devo conhecer todos
esses trabalhos; contudo, creio poder declarar que, até hoje, não vi nenhum que
abordasse de modo tão percuciente e lúcido a preciosa poesia do vate paraibano.
O Expressionismo,
corrente estética pós-impressionista, surgiu na Alemanha no início do século
XX, tendo sido a revista Der Sturm (A
Tempestade) muito provavelmente o seu primeiro órgão divulgador. A esse
movimento se filiaram artistas de várias categorias, entre os quais,
escultores, pintores, teatrólogos, prosadores e... poetas. Dizemos “movimento”,
o que, na realidade, não seguia praticamente nenhum preceito pré-estabelecido.
Zemaria Pinto faz uma
análise cuidadosa e paciente, sem entrar em conjecturas tão presentes em obras
anteriores. Aborda a assim chamada “dor estética”, conceito extraído do budismo
e de Schopenhauer e, em certo sentido, uma maneira pessoana de fingir diante do
mundo avassalador que nos cerca, a partir da estética expressionista.
Augusto dos Anjos, ao
contrário do que apregoaram até recentemente alguns críticos literários, numa
postura paradoxal, mas claramente intencional, cede ao personagem o lugar do
poeta, como bem referiu Eduardo Portella. Essa tomada de posição leva também
àquela situação de fingimento da própria dor, de que nos fala Fernando Pessoa.
Uma outra vertente
apontada, a nosso ver, com bastante agudeza por Zemaria Pinto em seu livro, é a
questão referente à abordagem que faz o Poeta da técnica e da ciência; ao invés
de enaltecê-las, colocam-nas em xeque em várias passagens de seus poemas, quase
que como parodiando. Veja-se, a propósito, este quarteto do poema “Os doentes”:
“A civilização entrou na taba / em que ele estava. O gênio de Colombo / manchou
de opróbrios a alma do mazombo, /
cuspiu na cova do morubixaba!” Fala o
Poeta do achincalhamento impingido ao índio pelos “civilizados”.
Sabe-se que a estética
expressionista tende, quase sempre, para o caricatural, para o grotesco, quando
menos, para certos paroxismos. E é justamente isso que vemos em Augusto dos
Anjos, agora com toda a percuciência estudado, analisado e demonstrado por
Zemaria Pinto. Em praticamente todos os poemas do vate paraibano encontram-se
esses traços do Expressionismo: uma deliberada denúncia do falso belo, do
ilusório sentir da vida, em Augusto dos Anjos, desmascarada: “Tu não és minha
mãe, velha nefasta!”, disse, referindo-se à própria natureza.
Saudamos o livro de
Zemaria Pinto, que em boa hora vem nos alertar para um enfoque mais apropriado
da obra do Poeta, que bebeu também em Shakespeare, tendo sido, entanto, um antiparnasiano
declarado, preferindo, sempre, o peso específico das palavras, “o seu fulgor
inesperado”, para lembrarmos o nosso Francisco Carvalho, à forma. Deixemos esta
estrofe como uma declaração expressionista de Augusto dos Anjos em palavras
incrivelmente contemporâneas nossas: “Sol brasileiro! Queima-me os destroços! /
Quero assistir, aqui, sem pai que me ame, / de pé, à luz da consciência infame,
/ à carbonização dos próprios ossos!”, do poema “Gemidos de arte”, escrito
ainda no Engenho Pau d’Arco, em 4 de maio de 1907.
Para concluir este
brevíssimo comentário, queremos reproduzir o que escreveu Hildeberto Barbosa
Filho no prefácio de A invenção do
expressionismo em Augusto dos Anjos: “Envolvida estilisticamente pela “dor
estética”, a “máscara lírica” rejeita a representação aristotélica do mundo,
desenvolvendo uma minuciosa e perplexa investigação dos fenômenos cósmicos e
existenciais (...)”. Queremos crer que aqui está uma síntese feliz do que vemos
em Eu e outras poesias.
Publicado no Diário do Nordeste, de Fortaleza, em 28/04/2013.
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