Tainá Vieira
Todas
as manhãs, após todos saírem de casa, enquanto a empregada não chega, eu volto
a dormir, mesmo depois de já ter feito a primeira refeição do dia. É quase como
um rito. Pode parecer preguiçoso, mas só me sinto bem depois disso, antes, nem
fale comigo, por favor.
Há
umas duas semanas venho notando algo estranho que está literalmente me tirando
o sono. Tenho recebido uma estranha visita na cama. Algo que eu gostaria muito
que morresse, no entanto eu já tentei, já fiz de tudo e não consigo matar. A
criatura é insistente demais, insistente e abusada, eu diria. Jamais imaginei
que fosse ter como inimigo um dia, um minúsculo inseto chamado carapanã. Ô
coisinha chata, meu Deus.
São
lá pelas 7:30 da manhã, o sol já invadiu a minha janela, isso deixa o quarto
bem claro, já é possível ouvir o barulho dos trabalhadores do prédio e as vozes
horríveis das vizinhas do bloco. Como o
ar-condicionado fica desligado nessa hora, é possível também sentir o cheiro de
comida do almoço e os choros insuportáveis dos bebês passeando debaixo do bloco
com suas babás horrendas. Não sei por qual motivo as patroas têm que escolher
as babás mais feias para suas crias. Talvez elas não gostem de seus filhos e a
todo tempo queiram assustá-los, por isso as babás são feias. É possível também,
vez ou outra, ouvir o barulho dos caminhões de carga e descarga etc. Nessa hora
o movimento já é grande. Isso lembra até O Cortiço, a diferença é que o Aluísio
construiu um Cortiço para os pobres e aqui onde morro, as pessoas não são tão
pobres assim; muitos são, mas de espirito. Mas o mais irritante de tudo, não é
o barulho produzido por esses miseráveis seres humanos, o mais irritante de
tudo, são os passarinhos que começam a gritar às 5:00 da manhã. Nossa que coisa
mais deprimente é ter que ouvir a cantoria sem melodia desses feios bichinhos de
pena. Parece que estou sendo cruel demais, me dirão vocês, leitores. Tudo bem,
isso até que dar para aguentar, o que não dá para aguentar é a perseguição de
um carapanã.
Sim,
é perseguição sim. Pois, vejam bem, já são duas semanas, tenho certeza de que é
o mesmo. Estou sempre do mesmo lado da cama, na mesma posição. Ele vem de mansinho
e grita, berra do mesmo lado do ouvido, ele só falta entrar no ouvido e tenho
certeza que se entrasse ele comeria minhas entranhas, não sei porque me odeia
tanto. E o pior é sempre a mesma coisa que ele berra, não sei descrever em
notas o que ele canta, pois nem consigo traduzir de tanto ódio que tenho dessa
aberração. Antes eu nem ligava, cobria a cabeça com o edredom, não o ouvia, ou
talvez ele que não me via mais e ia embora, e no outro dia, lá estava ele de
volta. Na segunda semana peguei ódio
mortal dele, assim que ele chegava e berrava eu pegava o travesseiro e saia
atrás dele, já dei várias batidas no ar, batidas em vão, não consigo matá-lo. E
esse carapanã é muito atrevido, mesmo sabendo que eu posso matá-lo a qualquer
momento, ele volta, volta todo cheio de si e fica tirando sarro da minha cara.
Hoje a porrada que dei foi tão forte e até vibrei, tive a certeza que o tinha matado, aí não demorou muito, quando eu já
estava deitada, ele vem, como um filho sapeca que assusta sua mãe. Hoje foi a gota d’água, cheguei até a chorar
de raiva. Ultimamente, tudo parece estar contra mim, tudo anda fora do meu
controle. Me sentindo desse jeito, é possível que um carapanã me vença. Mas ele não me vencerá, eu ei de destruí-lo
antes.
Parece
um absurdo. Mas eu não sou uma mulher má.
Eu apenas não sou amiga de animais, aves, insetos, crianças e todo resto
dos seres vivos que produzem sons que me deixam demasiadamente irritada. Eu só
queria poder dormir um pouco mais, sonhar um pouco mais. Pois só me sinto bem,
quando estou deitada e sonhando, minha alma sai de meu corpo e me leva para os
lugares que gostaria de estar realmente e só posso fazer isso dormindo e quando
estou só. Aí vem esse maldito carapanã e atrapalha tudo. Ele tornou-se o meu carma, meu inimigo
principal. Preciso destruí-lo, antes que ele destrua os meus sonhos. Conto com
a colaboração do destino, amanhã não sei se esse carapanã vai voltar ou sou eu
que permanecerei para sempre no lugar do meu último sonho a que minha alma me
levará.