Amigos do Fingidor

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Linguagens e a consciência em si



João Bosco Botelho
         
Um dos produtos finais da interligação do cérebro à vida afetiva é reproduzido na consciência do ser em si mesmo, impondo a incrível condição de depositário e herdeiro das gerações anteriores, transmitida inicialmente pela oralidade e, depois, pela linguagem escrita.
A maior parte dos pesquisadores concorda que as linguagens se manifestam por meio de estreitas correlações do cérebro, em especial do neocórtex, com o objetivo de manter ativa a percepção do visível, sentido, enfim das emoções vividas na interpretação do ato apreendido.
Na dimensão macroscópica (órgão), os pontos cerebrais em torno dos quais se organizam as linguagens são: área de Broca, a área motora responsável pelo controle fonético da expressão, e a zona de Heschl, de natureza receptiva, onde a mensagem recebida é decodificada.
Os dois hemisférios cerebrais não participam igualmente desse complicado mecanismo. A dominância do esquerdo, como nas atividades manuais, é programada geneticamente. Por outro lado, sabe‑se que o hemisfério cerebral direito não é desprovido de função linguística. Apesar de não ter acesso à palavra, é capaz de manter a informação em torno de frases curtas e pode decifrar a linguagem escrita.
Sem que possamos estabelecer as causas, o hemisfério direito, mesmo anatômico e funcionalmente menos adaptado para exercer o domínio da linguagem, poderá substituir o esquerdo, no caso de uma lesão irreversível, antes da idade de cinco anos.
Talvez essa similitude que pode se expressar a partir da necessidade da linguagem suprimida por causas não congênitas (por exemplo após um trauma no crânio), esteja relacionada com certos aspectos moduladores do discurso que interagem os dois hemisférios cerebrais, traduzidos na linguagem escrita, com os advérbios. Do mesmo modo, é razoável pressupor, que a evolução genética determinou modificações, nos níveis celulares e moleculares, capazes de ajustar as funções cerebrais às necessidades sociais.
Essa afirmativa é incontestável em outras partes do corpo. Por exemplo, a diminuição gradativa da arcada dentária em função do menor uso do esforço mastigatório. A partir do uso do fogo, mais ou menos em torno de trezentos mil anos, ocorreu um conjunto de fatores, incluindo o cozimento dos alimentos, tornando‑os mais macios, ocasionando a redução da potência da musculatura mastigatória e, em consequência, do tamanho e número de dentes. Essa seria uma explicação dos terceiros molares ou sisos poderem permanecer inclusos.
Infelizmente, a maior parte do cérebro permanece desconhecida no nível molecular e dificulta o estudo nos moldes do método experimental.
Não é mais adequado pensar nas linguagens ligadas somente às trocas metabólicas físico‑químicas, no nível biológico‑molecular, ou na exclusiva origem social. É tempo de interagir a natureza, o social e a História com a genética. A força mental que impulsiona a repetição e molda a ficção é muito forte para ser exclusivamente sociocultural.
O conjunto das reações neurológicas e químicas ligando o ser ao objeto, construindo a consciência do ser em si, só será consolidado nas mentalidades ─ memorizado e reproduzido ─ quando estiver claramente elaborado em estreita consonância às necessidades pessoais requeridas no processo societário.
O ser é biológico e social: não existem seres sem as relações de trocas, essas não seriam possíveis sem eles. Logo, as ações apreendidas e interferindo na consciência em si, em especial as linguagens, devem estar contidas no mesmo processo.