João Bosco Botelho
Um dos produtos finais da interligação do
cérebro à vida afetiva é reproduzido na consciência do ser em si mesmo, impondo
a incrível condição de depositário e herdeiro das gerações anteriores, transmitida
inicialmente pela oralidade e, depois, pela linguagem escrita.
A maior parte dos pesquisadores concorda que
as linguagens se manifestam por meio de estreitas correlações do cérebro, em
especial do neocórtex, com o objetivo de manter ativa a percepção do visível,
sentido, enfim das emoções vividas na interpretação do ato apreendido.
Na dimensão macroscópica (órgão), os pontos
cerebrais em torno dos quais se organizam as linguagens são: área de Broca, a
área motora responsável pelo controle fonético da expressão, e a zona de
Heschl, de natureza receptiva, onde a mensagem recebida é decodificada.
Os dois hemisférios cerebrais não participam
igualmente desse complicado mecanismo. A dominância do esquerdo, como nas
atividades manuais, é programada geneticamente. Por outro lado, sabe‑se que o
hemisfério cerebral direito não é desprovido de função linguística. Apesar de
não ter acesso à palavra, é capaz de manter a informação em torno de frases
curtas e pode decifrar a linguagem escrita.
Sem que possamos estabelecer as causas, o
hemisfério direito, mesmo anatômico e funcionalmente menos adaptado para
exercer o domínio da linguagem, poderá substituir o esquerdo, no caso de uma
lesão irreversível, antes da idade de cinco anos.
Talvez essa similitude que pode se expressar
a partir da necessidade da linguagem suprimida por causas não congênitas (por
exemplo após um trauma no crânio), esteja relacionada com certos aspectos
moduladores do discurso que interagem os dois hemisférios cerebrais, traduzidos
na linguagem escrita, com os advérbios. Do mesmo modo, é razoável pressupor, que
a evolução genética determinou modificações, nos níveis celulares e moleculares,
capazes de ajustar as funções cerebrais às necessidades sociais.
Essa afirmativa é incontestável em outras
partes do corpo. Por exemplo, a diminuição gradativa da arcada dentária em
função do menor uso do esforço mastigatório. A partir do uso do fogo, mais ou
menos em torno de trezentos mil anos, ocorreu um conjunto de fatores, incluindo
o cozimento dos alimentos, tornando‑os mais macios, ocasionando a redução da
potência da musculatura mastigatória e, em consequência, do tamanho e número de
dentes. Essa seria uma explicação dos terceiros molares ou sisos poderem permanecer inclusos.
Infelizmente, a maior parte do cérebro
permanece desconhecida no nível molecular e dificulta o estudo nos moldes do
método experimental.
Não é mais adequado pensar nas linguagens
ligadas somente às trocas metabólicas físico‑químicas, no nível biológico‑molecular,
ou na exclusiva origem social. É tempo de interagir a natureza, o social e a
História com a genética. A força mental que impulsiona a repetição e molda a
ficção é muito forte para ser exclusivamente sociocultural.
O conjunto das reações neurológicas e
químicas ligando o ser ao objeto, construindo a consciência do ser em si, só será
consolidado nas mentalidades ─ memorizado e reproduzido ─ quando estiver
claramente elaborado em estreita consonância às necessidades pessoais requeridas
no processo societário.
O ser é biológico e social: não existem seres
sem as relações de trocas, essas não seriam possíveis sem eles. Logo, as ações
apreendidas e interferindo na consciência em si, em especial as linguagens, devem
estar contidas no mesmo processo.