Amigos do Fingidor

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Linguagens, vogais e consoantes



João Bosco Botelho
         

As evidências mostram que os elementos formadores das teorias pretendendo desvendar as linguagens, nas quais estão incluídas as que tratam da fantástica capacidade de escrever em muitas linguagens, tanto descrevendo o objeto visível quanto na ficção, estão contidos no cérebro. A coisa (ou as coisas) que estruturou as linguagens é física.
Se as áreas cerebrais responsáveis estão danificadas, não é possível a expressão das linguagens. Isso significa, sem nenhuma dúvida, que o conjunto formador que gera as linguagens não se dá sobre o nada. As estruturas nervosas responsáveis pela intercomunicação entre a memória, a linguagem, os sentidos e o social se ligam, no cérebro, por meio de bilhões de sinapses (ligações entre as células cerebrais ou neurônios). É a prisão mental de cada um! É a jarra de Pandora que construiu na oralidade e continua brotando, na linguagem escrita, os infortúnios e esperanças da humanidade.
Quando danificados nos traumas cranianos ou pela cirurgia, em animai de experimentação, alguns centros neurológicos específicos relacionados às linguagens alteram o comportamento emocional e emitem sons em desacordo com a necessidade daquele momento: expressões de sono, agressividade e medo ou fazer o animal assumir posição de cópula ou de choro. Sob essa comprovação, há de existir algum tipo de coerência funcional em nível celular, ligando o ser ao mundo, transcrito no ato de escrever. Logo, a capacidade individual de sentir e expressar as emoções nas linguagens, inclusive mentiras, nasceram em consequência das relações do ser no mundo.  
Vez por outra, o lento desvendar das complexas estruturas das linguagens avança apoiado no estudo dos achados acidentais. Nesse sentido, foram descritos dois casos clínicos, na literatura especializada, relacionados com os núcleos cerebrais da linguagem, atendidos por pesquisadores da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e do Hospital Maggiore, Bolonha, na Itália.
No primeiro, um homem com 62 anos, depois de sofrer um derrame cerebral (ruptura de artérias ou veias no cérebro lesando maior ou menor quantidade de tecido), não conseguiu mais escrever as vogais; as palavras eram escritas em perfeita simetria com o pensamento expresso oralmente, porém só com as consoantes. O paciente não conseguia simbolizar as cinco letras. Essa publicação impõe a certeza de que a escolha dos caracteres, para compor a linguagem escrita, está contida em segmento específico do cérebro.
O segundo relato diz respeito ao paciente do sexo masculino, 32 anos, norte‑americano, também após isquemia cerebral (ao contrário do derrame, as artérias se contraem, determinando danos ao tecido encefálico), perdeu a familiaridade com a língua materna, o inglês, e passou a acrescentar vogais às palavras, resultando num sotaque escandinavo. A cura do distúrbio ocorreu na medida da recuperação da área cerebral danificada.
É precisamente nessa convergência, entre o físico presente na estrutura cerebral, oriundo de uma memória genético‑social, dando função à função, que ocorre a maravilhosa materialidade do real e do abstrato, capaz de nominar, desvendar, criar e transformar o objeto.

Por essa razão não existe discurso sem a linguagem impregnada do saber acumulado historicamente. Nesse contexto, as gramáticas são, na essência, ideológicas, porque expressam tipos diversos de posses do real, onde o uso de vogais e consoantes são partes da relação do ser no mundo.