João Bosco Botelho
As evidências mostram que os elementos
formadores das teorias pretendendo desvendar as linguagens, nas quais estão
incluídas as que tratam da fantástica capacidade de escrever em muitas
linguagens, tanto descrevendo o objeto visível quanto na ficção, estão contidos
no cérebro. A coisa (ou as coisas) que estruturou as linguagens é física.
Se as áreas cerebrais responsáveis estão
danificadas, não é possível a expressão das linguagens. Isso significa, sem nenhuma
dúvida, que o conjunto formador que gera as linguagens não se dá sobre o nada. As
estruturas nervosas responsáveis pela intercomunicação entre a memória, a
linguagem, os sentidos e o social se ligam, no cérebro, por meio de bilhões de
sinapses (ligações entre as células cerebrais ou neurônios). É a prisão mental
de cada um! É a jarra de Pandora que construiu na oralidade e continua brotando,
na linguagem escrita, os infortúnios e esperanças da humanidade.
Quando danificados nos traumas cranianos ou pela
cirurgia, em animai de experimentação, alguns centros neurológicos específicos relacionados
às linguagens alteram o comportamento emocional e emitem sons em desacordo com
a necessidade daquele momento: expressões de sono, agressividade e medo ou
fazer o animal assumir posição de cópula ou de choro. Sob essa comprovação, há
de existir algum tipo de coerência funcional em nível celular, ligando o ser ao
mundo, transcrito no ato de escrever. Logo, a capacidade individual de sentir e
expressar as emoções nas linguagens, inclusive mentiras, nasceram em consequência
das relações do ser no mundo.
Vez por outra, o lento desvendar das
complexas estruturas das linguagens avança apoiado no estudo dos achados
acidentais. Nesse sentido, foram descritos dois casos clínicos, na literatura
especializada, relacionados com os núcleos cerebrais da linguagem, atendidos
por pesquisadores da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e do
Hospital Maggiore, Bolonha, na Itália.
No primeiro, um homem com 62 anos, depois de sofrer
um derrame cerebral (ruptura de artérias ou veias no cérebro lesando maior ou
menor quantidade de tecido), não conseguiu mais escrever as vogais; as palavras
eram escritas em perfeita simetria com o pensamento expresso oralmente, porém
só com as consoantes. O paciente não conseguia simbolizar as cinco letras. Essa
publicação impõe a certeza de que a escolha dos caracteres, para compor a
linguagem escrita, está contida em segmento específico do cérebro.
O segundo relato diz respeito ao paciente do
sexo masculino, 32 anos, norte‑americano, também após isquemia cerebral (ao
contrário do derrame, as artérias se contraem, determinando danos ao tecido
encefálico), perdeu a familiaridade com a língua materna, o inglês, e passou a
acrescentar vogais às palavras, resultando num sotaque escandinavo. A cura do
distúrbio ocorreu na medida da recuperação da área cerebral danificada.
É precisamente nessa convergência, entre o
físico presente na estrutura cerebral, oriundo de uma memória genético‑social, dando
função à função, que ocorre a maravilhosa materialidade do real e do abstrato, capaz
de nominar, desvendar, criar e transformar o objeto.
Por essa razão não existe discurso sem a
linguagem impregnada do saber acumulado historicamente. Nesse contexto, as gramáticas
são, na essência, ideológicas, porque expressam tipos diversos de posses do
real, onde o uso de vogais e consoantes são partes da relação do ser no mundo.