Amigos do Fingidor

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Sobre poesia, poemas & poetas 2/3



Zemaria Pinto

Se o leitor aceita que poema e poesia são vocábulos cujos significados se interpolam, mas jamais se cruzam, ainda que sejam partes da mesma gênese grega (poesia = fazer, poema = o que se faz), cito um exemplo bem mais prosaico do conservadorismo do dicionário: ao nomear o feminino de poeta como poetisa, diz que esta é uma “mulher que faz poesias”. Há uma evidente conotação pejorativa para a palavra poetisa. Há uma questão de eufonia também: todos sabemos que o feminino de Papa é Papisa, mas jamais conhecemos uma... Aliás, os dicionários tratam-na, adequadamente, como lenda. Por que não a adoção definitiva do substantivo poeta, comum aos dois gêneros, já usado em larga escala?
Mas não é só o dicionário que trama contra a poesia. Quando um crítico confunde, deliberadamente, a obra de um poeta com sua biografia, vendo reflexos desta naquela, ele cai numa armadilha secular, que pretende ver na poesia, unicamente, manifestações mentais limitadas ao “eu” do poeta.
No ensaio As três vozes da poesia, T. S. Eliot identifica-as da seguinte forma: a voz do poeta que fala consigo mesmo, ou com ninguém; a voz do poeta ao dirigir-se a uma plateia; a voz do poeta quando cria uma personagem dramática. Eliot referia-se, respectivamente, à poesia lírica, à épica e à dramática. Vamos nos ater unicamente, à questão da primeira voz − “a voz do poeta que fala consigo mesmo, ou com ninguém”.
Acontece que o ensaio de Eliot, na verdade uma conferência, apresentada em 1953, de certa forma, faz coro com a crítica empobrecedora que sempre achou que o poeta lírico fala somente de si mesmo, confundindo eu lírico com eu biográfico. Isso é de um reducionismo tão grave, que é preciso começar explicando o próprio “caso Eliot”: longe de se considerar um poeta lírico, menor, via-se, unicamente, como poeta épico e dramático, nessa ordem, o que facilitava enormemente sua visão distorcida de que todo o resto é poesia confessional.
O poeta lírico, é bem verdade, confunde ao escrever na primeira pessoa. Mas o “eu lírico” ou “eu poético”, a voz emissora do poema, deve ser visto pelo crítico/leitor como uma máscara (persona) do autor. O poeta alarga sua percepção do mundo e verbaliza em valores positivos e/ou negativos tal percepção, daí resultando o poema, que vai refletir sua experiência pessoal, pois é disso que se alimenta a literatura: da realidade recriada, transmutada, transfigurada.
Poesia é, pois, ficção. Do contrário será confissão, e a ninguém interessa a dor pessoal de ninguém. Poesia também é fissão, rompimento, fratura, fragmentação, reinvenção da linguagem. Equacionando, para gozo dos estruturalistas:

Poesia = (ficção + fissão) – confissão


Esse aparente jogo de fonemas enforma a obra de um dos maiores poetas deste século, o português Fernando Pessoa, gênio criador de personas-poetas, síntese do humano criador.