Zemaria Pinto
Se o leitor aceita que
poema e poesia são vocábulos cujos significados se interpolam, mas jamais se
cruzam, ainda que sejam partes da mesma gênese grega (poesia = fazer, poema = o que se faz), cito um exemplo bem mais prosaico do conservadorismo
do dicionário: ao nomear o feminino de poeta como poetisa, diz que esta é uma
“mulher que faz poesias”. Há uma evidente conotação pejorativa para a palavra
poetisa. Há uma questão de eufonia também: todos sabemos que o feminino de Papa
é Papisa, mas jamais conhecemos uma... Aliás, os dicionários tratam-na,
adequadamente, como lenda. Por que não a adoção definitiva do substantivo poeta, comum aos dois gêneros, já usado em larga escala?
Mas não é só o dicionário
que trama contra a poesia. Quando um crítico confunde, deliberadamente, a obra
de um poeta com sua biografia, vendo reflexos desta naquela, ele cai numa
armadilha secular, que pretende ver na poesia, unicamente, manifestações
mentais limitadas ao “eu” do poeta.
No ensaio As três vozes da poesia, T. S. Eliot
identifica-as da seguinte forma: a voz do poeta que fala consigo mesmo, ou com
ninguém; a voz do poeta ao dirigir-se a uma plateia; a voz do poeta quando cria
uma personagem dramática. Eliot referia-se, respectivamente, à poesia lírica, à
épica e à dramática. Vamos nos ater unicamente, à questão da primeira voz − “a
voz do poeta que fala consigo mesmo, ou com ninguém”.
Acontece que o ensaio de
Eliot, na verdade uma conferência, apresentada em 1953, de certa forma, faz
coro com a crítica empobrecedora que sempre achou que o poeta lírico fala
somente de si mesmo, confundindo eu lírico com eu biográfico. Isso é de um
reducionismo tão grave, que é preciso começar explicando o próprio “caso
Eliot”: longe de se considerar um poeta lírico, menor, via-se, unicamente, como
poeta épico e dramático, nessa ordem, o que facilitava enormemente sua visão
distorcida de que todo o resto é poesia confessional.
O poeta lírico, é bem
verdade, confunde ao escrever na primeira pessoa. Mas o “eu lírico” ou “eu
poético”, a voz emissora do poema, deve ser visto pelo crítico/leitor como uma
máscara (persona) do autor. O poeta alarga sua percepção do mundo e verbaliza
em valores positivos e/ou negativos tal percepção, daí resultando o poema, que
vai refletir sua experiência pessoal, pois é disso que se alimenta a
literatura: da realidade recriada, transmutada, transfigurada.
Poesia é, pois, ficção.
Do contrário será confissão, e a ninguém interessa a dor pessoal de ninguém.
Poesia também é fissão, rompimento, fratura, fragmentação, reinvenção da
linguagem. Equacionando, para gozo dos estruturalistas:
Poesia = (ficção +
fissão) – confissão
Esse aparente jogo de
fonemas enforma a obra de um dos maiores poetas deste século, o português
Fernando Pessoa, gênio criador de personas-poetas, síntese do humano criador.