Amigos do Fingidor

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Corporações na Idade Média: melhoria do atendimento médico



João Bosco Botelho

Desde a baixa Idade Média, existiam organizações dedicadas à guarda e proteção dos interesses de grupo de trabalhadores especializados.

Em Valenciennes, que floresceu entre 1050-1070, a característica era predominantemente laica, enquanto que a de Saint-Omer, ativa entre 1072-1080, era de natureza eclesiástica. Algumas delas já apresentavam estrutura administrativa: o órgão de decisão (capitulum), o líder (decani) e a sede (Guildhus).

As corporações, confrarias e irmandades ofereciam um novo tipo de proteção aos membros, sob a presença dos santos mais importantes ou ligados à tradição religiosa da região. A próspera corporação de lanifício de Florença, com cerca de vinte mil operários e duzentas oficinas, pode representar muito bem esse interesse eclesiástico: a sede dessa rica corporação, o Palácio da Lã, se ligava por meio de uma ponte com a Igreja Orsanmichele.

A inserção das corporações, confrarias e irmandades surgiram fortalecidas em regras protecionistas de solidariedade mútua econômica e social articulada à hierarquia religiosa e laica. A Igreja se manteve muito próxima dessa nova construção social e estimulou novas alianças; especialmente, com a Confraria dos Cirurgiões, já que o êxito do projeto de melhorar a assistência médica dependia dos cirurgiões-barbeiros.

É importante relembrar que o aparecimento desse personagem complexo, o cirurgião-barbeiro, ocorreu como consequência da resposta social à interdição intolerante da Igreja à dissecção do corpo morto, obrigando o fim do estudo da anatomia e o fechamento das escolas de Medicina. Como resultado, os cirurgiões ficaram cada vez mais escassos até o completo desaparecimento na primeira metade do século 9. 

O aumento da circulação de moeda e do comércio pode ter contribuído para forçar, por parte da população mais organizada, o preenchimento do espaço vazio, antes dos antigos cirurgiões desaparecidos. Pode ter sido por aí que as normas das corporações, confrarias e irmandades, respeitando-se as diferenças estruturantes, buscaram outras formas de amparo aos membros e às famílias. 

A maior parte daquelas instituições possuía hospital próprio, como o da rica Confraria de São Leonardo, em Viterbo, Itália, no século 12, capaz de prestar vários tipos de atendimento e amparo à viuvez e aos órfãos.

A ética cristã baseada na caridade, que valorizou à exaustão a recompensa pessoal após a morte, e na obediência aos dogmas eclesiásticos, abandonou os cuidados com a saúde pública, a higiene pessoal, redes de abastecimento de água potável, escoamento dos esgotos e o pagamento pelo serviço profissional médico.

Por essas razões, a maior parte das populações da Europa medieval sofreu na pele o descaso pelas normas essenciais para preservar a saúde coletiva: as cidades eram aglomerações humanas desordenadas, em torno de suntuosas catedrais góticas, sem água potável e esgotos sanitários, em habitações inadequadas, onde, de tempos em tempos, grassavam epidemias de várias doenças infecto-contagiosas, que matavam frequentemente milhares de pessoas em poucas semanas.

Também como resistência ao descaso com a saúde pública e à corrupção tanto laica quanto religiosa, as regras das corporações, confrarias e irmandades reforçavam ajudas mútuas entre os membros e as famílias. Um dos exemplos marcantes foi o estatuto da corporação dos curtidores de couro branco, em Londres, em 1346, rezando no primeiro artigo: o bem-estar de membros era o objetivo maior.