Amigos do Fingidor

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Miniconto, microconto, nanoconto, contos são? 4/7




Zemaria Pinto

4. O MÁXIMO DE INTENSIDADE, NO MÍNIMO DE ÁREA
Se na subida desta montanha estivéssemos sendo guiados por Ariel, era chegada a hora de “o outro” nos dar a mão, pois começamos a descida. O conto literário, artefato de intenções estéticas, tem, ao longo dos tempos, a ele atreladas, três espécies bem definidas: o apólogo, a fábula e a parábola. De caráter didático ou moralizante, elas se distinguem entre si pela natureza das personagens: no apólogo, objetos inanimados; na fábula, animais irracionais; e na parábola, seres humanos (PINTO, 2011b, p. 82). O que, então, distinguiria o miniconto do microconto e estes do nanoconto?
Livres dos grilhões da extensão, vamos insistir na ideia de maior e menor intensidade. Tomemos dois exemplos extraídos do livro Caderno do escritor, do amazonense Adrino Aragão.
Há uma dor ácida de profunda solidão por toda a quitinete, desde que ela me deixou. Acordo (acordo?) no meio da noite, não sei que rumo tomar: você não sabe o que é o amor de um velho apaixonado. (p. 18)

Aragão é hoje destacado cultor do microconto, como ele prefere nomear, tendo merecido sóbrio estudo do Prof. Joaquim Branco – sua tese de pós-doutorado apresentada à UFRJ, em 2010 – que o classifica, com certo pudor acadêmico, como minimalista. Como regra geral em todo o Caderno do escritor, os títulos são as palavras iniciais dos contos, não ajudando em nada na elucidação do conteúdo. E o que temos no conto acima? Um texto onde a tensão é explicitada em algumas palavras combinadas: “dor ácida”, “profunda solidão”, “desde que ela me deixou”, “não sei que rumo tomar”, até o remate em anticlímax, próximo ao cômico, de onde concluímos que a intensidade não foi suficiente para causar desconforto no leitor. Aqui cabe, com perfeição, a nomenclatura microconto. Mas por que não miniconto? Qual a diferença entre um e outro? Voltamos ao assunto mais adiante. Vejamos agora um outro conto de Aragão, do mesmo livro:
Espelho meu, dizei-me: qual desses dois sou eu?
(p. 56)

Uma frase em uma linha, duas orações e nove palavras. Em cada uma das orações, Adrino recupera alguns séculos de tradições literárias. “Espelho meu” é a clássica fala da madrasta de Branca de Neve, narrativa originária da tradição oral alemã, provavelmente da Idade Média, e compilada pelos irmãos Grimm na primeira metade do século XIX. A segunda frase – “qual desses dois sou eu?” – é a expressão profunda da figura literária chamada “duplo”, expressa, para melhor entendimento, pela fórmula “eu = outro”. Ao defrontar-se com o espelho e fazer a pergunta, o narrador-personagem remete-nos a Jorge Luis Borges, uma influência confessa na obra de Adrino Aragão. Mas isso é pouco. Há mais de dois mil e duzentos anos, o romano Plauto já brincava com essa figura em Anfitrião (PINTO, 2013, p. 197-198).

Quanta informação, quanto tensionamento, quanta energia colocada em uma única frase! Isso é o nanoconto: o máximo de intensidade, no mínimo de área, provocando uma deformação desta: o texto adquire um sentido muito mais amplo que a primeira leitura – literal, denotativa – faz crer. Isso me lembra Octavio Paz e uma aproximação que eu queria evitar: a do nanoconto com o haicai. Nada de “o nanoconto está para o conto como o haicai está para a poesia”, por favor! Sobre o haicai, Paz escreveu: “é uma pequena cápsula carregada de poesia capaz de fazer saltar a realidade aparente” (1980, p. 16-17). O nanoconto é uma cápsula carregada de energia – em forma de ideias, informações, críticas, reflexões e até poesia – capaz de fazer saltar leituras e significados múltiplos.

Para saber mais sobre a obra de Adrino Aragão, clique aqui.