Amigos do Fingidor

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Miniconto, microconto, nanoconto, contos são? 3/7



Zemaria Pinto

3. QUANDO A INTENSÃO SE SOBREPÕE À EXTENSÃO
Tenho em mãos um daqueles caça-níqueis, sempre questionáveis, pois guardam a maldita mania das listas, algo tão pessoal quanto o sabonete de uso diário: Os cem melhores contos brasileiros do século. Na primeira década, os textos têm, no mínimo 6 páginas. Esse padrão vai encolhendo com o passar do tempo: a partir dos anos 1970, passam a ser parte da paisagem os contos de duas páginas. Não temos ainda, entretanto, nada que chegue perto do nosso objeto, mas é um indicativo de que a quantidade de páginas deixava de ser um padrão determinante da qualidade. A história convencional, com princípio, meio e fim – do qual “Viagem aos seios de Duília”, de Aníbal Machado, situado num vago “anos 40/50”, nas suas 18 páginas, é exemplar – passa por um processo de aceleração: a nova forma de narrar é construída de várias elipses sobre uma grande elipse, que é a fábula principal. Ao leitor, cabe montar, se do seu interesse, uma trama que faça sentido – ou não, pois as informações de que ele dispõe devem ser suficientes para ter em mãos uma trama completa.
Vejamos um exemplar de conto onde a intensão se sobrepõe à extensão:
O doente com leucemia:
– Sabe, doutor, o que dói mais? Não é a doença. Não é a dor. Não é a morte em dois meses.
– ...
– É a saudade que desde já sinto da minha putinha.
(2000, p. 103)

Outro, da mesma fonte:
– Nunca tomei um copo d’água sem dar metade pra ela, que no fim me traiu.
(2000, p. 116)

Mais um, metalinguístico:
Dia das mães! Quantos crimes literários, ai, mãe, são cometidos em teu nome!
(2002, p. 51)

Os três textos são de Dalton Trevisan. No primeiro, temos uma love story, com direito a leucemia e tudo. O tratamento aparentemente degradante é, na verdade, carinhoso, padrão Trevisan. O segundo texto deve ter um bolero ou um tango como fundo musical: trata-se de uma história passional, com um possível fim trágico – e aquela frase pode ser a explicação da tragédia. Não precisamos saber mais nada para fazer essas inferências, com a vantagem de que a releitura não nos toma tempo.

O terceiro texto é uma reflexão sobre a enxurrada de bobagens escritas – e publicadas – por ocasião do dia das mães. Todos os anos. E aqui entramos numa outra possibilidade de expressão dessa espécie de conto: a reflexão – mordaz, ferina, esculhambativa.

Trevisan, o Vampiro de Curitiba, por William.