Amigos do Fingidor

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Miniconto, microconto, nanoconto, contos são? 5/7




Zemaria Pinto

5. MICROCONTO
Neste ponto, volto a me perguntar qual a diferença entre mini e microconto e, sinceramente, não encontro resposta. Num paralelo com o cinema, as denominações curta, média e longa-metragem são definidas pela duração do filme: até 15 minutos; acima de 15 até 70 minutos e acima de 70 minutos. Nos Estados Unidos, não existe o conceito de média-metragem: até 40 minutos é curta; acima, é longa-metragem. Vou me permitir usar um texto meu, “Maria”, para ilustrar o que quero demonstrar.
Maria era pequena de estatura e grande de lábios. Os lábios de Maria eram maiores que seu corpo. Quando andávamos de mãos dadas pelo centro da velha cidade, era como se tivesse em minhas mãos aquela boca, que me atormentava as madrugadas. Mas eu era apenas um brinquedo de Maria, o seu menino, a sua inocente companhia nas missões interestelares nos arredores da Matriz. Um dia, encontrei Maria feita mulher, o corpo pequenino cheio de sutis reentrâncias – e a boca. Pedi-lhe um beijo. Ela negaceou com graça, girando em semicírculo sobre o eixo de suas pernas curtas e grossas. Naquela noite sonhei-me sendo devorado por Maria. Não, pela boca de Maria. A boca mais linda que eu jamais beijei.
(Lábios que beijei 14)

   A narrativa está centrada em uma recordação – Maria – que puxa outras lembranças episódicas, com traços entre expressionistas e surrealistas, mas com uma conclusão carregada de melancolia e saudosismo, sem punch. É um conto, sem dúvida, e se quisermos adotar uma categoria intermédia, seria um microconto – não pela sua extensão, mas, pela sua concisão, pelo seu jogo de elipses.
E se eu pensar no Kafka de “Diante da lei”, com suas duas pagininhas? É um conto, com princípio, meio e fim – estrutura clássica. Conclusão: não há lugar para o miniconto – a menos que adotemos o critério da extensão, número de linhas etc., o que está fora de cogitação.

Definamos o microconto: narrativa densa, concisa, elíptica, mas com uma conclusão convencional, não impactante.

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