Amigos do Fingidor

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Teatro no interior



Pedro Lucas Lindoso


Da última vez que estive em Brasília conheci dona Lazinha, esposa do meu amigo Onofre que é funcionário aposentado do Banco do Brasil.
Há muitos anos Onofre e Lazinha moraram num longínquo município do interior do Amazonas. Onofre era gerente do banco por lá.
Na década de 50 havia um movimento da Igreja denominado Ação Católica. Lazinha entrou para o grupo e tornou-se-amiga do vigário.
Como não havia muitas atividades culturais no lugarejo, Lazinha resolveu montar um grupo de teatro amador comunitário.
As peças eram escritas por ela e tinham o objetivo de conscientizar a população para seus problemas, além de diversão.
Claro, aquilo era uma maneira de Lazinha manter-se ocupada. Carioca e acostumada a viver em cidade grande, Lazinha estava lá para acompanhar o marido e ser feliz nos primeiros anos de casada.
Ela mesma redigia os textos. O teatro tornou-se um sucesso. Não só de público. Todos queriam participar. Os menos letrados eram usados como figuração.
Um dos mais empolgados participantes do grupo era o João, conhecido pelo inusitado apelido de João Deixa-que-eu-chuto. Não se sabe bem o motivo da alcunha. Mas ele nunca se importou e acabou sendo conhecido como João Deixa.
Era um sujeito boníssimo. Prestativo. Ajudava Lazinha a fazer os cenários. Era pau para toda obra. Totalmente analfabeto, João Deixa, era um homem bom, mas muito tacanho em conhecimento e linguagem, coitado.
João insistia em participar do teatro. Implorou a Lazinha por um papel em uma peça. Nem que fosse bem pequenino. Uma frase seria o bastante, Era um sonho a ser realizado.
Conhecendo bem o João Deixa, Lazinha sabia que ele não seria capaz de decorar nada. Seria com certeza um desastre. Mas tanto João Deixa insistiu que Lazinha houve por bem realizar o sonho do João.
Lazinha então escreveu um texto em que havia um incêndio.
João Deixa sairia esbaforido do local e diria:
Escapei, milagrosamente.
Lazinha ensaiou o texto com João Deixa, várias vezes. Ele em casa repetia sem descanso, para a esposa e filhos: Escapei, milagrosamente.
Nos dias de ensaio, era o primeiro a chegar e esperava sua fala com grande ansiedade. E dizia glorioso: – Escapei, milagrosamente.
Todos ajudavam o João a memorizar seu texto e diziam, fala João. E ele: Escapei milagrosamente. Escapei milagrosamente.
No dia da estréia, todos foram ver a peça e principalmente ver como o bondoso João iria se sair como ator. Então chegou a hora em que houve o incêndio. Todos na expectativa e lá vem o João Deixa que grita:
Milagrei, escaposamente!
Foi o começo e o fim de uma nem tão promissora carreira de ator.