Amigos do Fingidor

segunda-feira, 2 de março de 2015

Lábios que beijei 42


Zemaria Pinto
Andrea



Quando penso em Andrea, só me vêm cenários de fantasia, como se ela não tivesse acontecido em minha vida e fosse apenas uma personagem que eu sonhei para preencher o vácuo da minha solidão. Eu ainda não tinha 40 anos e meu segundo casamento naufragava. Casada com um político influente de Recife, era um caso raro de mulher executiva. Nos encontramos pela primeira vez em Maceió, em algum evento do banco. Quando a vi – uma mesa em U, ela sentada exatamente à minha frente – não acreditei que fosse possível: era a mulher mais bela que eu já vira fora das telas de cinema – a pele branca, os cabelos e os olhos negros, o corpo modelado com equilíbrio e rigidez, o sotaque sedutor. Uma grega nordestina. Nos amamos entre um e outro aeroporto, regularmente, fazendo complicados exercícios táticos e logísticos nos hotéis. Nos intervalos entre as viagens, até voltei a escrever uns poemas frouxos que, ela dizia, a deixavam feliz. Muito conversamos sobre um futuro a dois, mas havia uma criança em sua vida. Abandonar o casamento seria abandonar o filho e ser abandonada pela família. Eu não valia o preço. Perdi Andrea. Nos encontramos ainda em algumas ocasiões, pelos acasos de serviço. Na última vez em que estivemos juntos, em São Paulo, já não nos preocupávamos em ser vistos: éramos sobretudo bons amigos. Lembro de Andrea recortada contra o fundo iluminado da cidade, no piano-bar do Terraço Itália. Uma lua pálida entristecia a poesia daquele instante – sem palavras nem gestos, só lágrimas e vinho.