Amigos do Fingidor

quinta-feira, 19 de março de 2015

Renascimento: novos ares na Medicina



João Bosco Botelho

No Renascimento europeu, a Medicina oriunda das jovens universidades ampliava os domínios da compreensão da saúde, aumentando a busca da materialidade da doença sob o estandarte da micrologia.

De modo geral, as práticas médicas retomaram os preceitos hipocráticos, reafirmados pelas Escolas de Medicina de Montpelier e Salermo, ao tempo em que ratificou o projeto teórico que avançaria até hoje: a busca da materialidade da doença nas dimensões da matéria viva invisível aos olhos, só identificável sob as lentes de aumento.

Essas profundas mudanças alcançaram as antigas concepções da ética médica ligadas à escolástica medieval. Talvez um dos mais importantes representantes dessa fase, interligando a Medicina e o Direito, tenha sido Maquiavel, nas obras “Discurso” e “O Príncipe”, em ambos discursando com claro desprezo ao mundo espiritual da escatologia cristã, oriundo do Direito canônico, e valorizando a vida vivida. Dessa forma, também se adicionou às novas reconstruções na busca da materialidade da doença e do delito.  

Em seguimento sereno em torno da doença ligada à coisa material, o século 17 também conhecido como o século da razão trouxe o encontro entre busca da maior liberdade com a ética médica. Esse complexo conjunto sócio-político foi tocado pelas ideias de Newton, Descartes, Espinoza e Molière.

– Isaac Newton (1643-1727), autor do “Principia”, um dos principais precursores do Iluminismo. Quando a Universidade de Cambridge fechou as portas por causa do surto da peste negra, trabalhando na própria casa, descobriu a lei da gravitação universal e a natureza das cores, que mudariam para sempre os rumos da ciência. 

– René Descartes (1596-1650), advogado, formado na Universidade de Poitiers, fundador da filosofia moderna. Na principal obra “Discurso sobre o método”, se consagrou na defesa do método cartesiano incluindo “Penso, logo existo”. Esse genial filósofo expressou pensamentos revolucionários: supremacia da dúvida para alcançar o conhecimento, rejeitando em bloco a estrutura dogmática da Igreja: por essa razão é considerado o “pai do racionalismo”.

– Bento de Espinoza (1632-1677), racionalista da Filosofia moderna, fugiu da Inquisição portuguesa, defendeu o panteísmo. Em 1656, foi excomungado pela Sinagoga de Amsterdam, por defender Deus como mecanismo imanente da natureza e do universo e a Bíblia como obra metafórica e alegórica, não expressando a verdade sobre Deus. Após a excomunhão adotou o nome Bendito, tradução do original Baruch. Dois pontos importantes da filosofia desse extraordinário judeu: 1. Defesa de que a razão não poderia dominar a emoção e uma emoção só seria consumada por outra emoção anda maior; 2. Inovou ao afirmar que a ética não se opõe às emoções e que todos deveriam buscar os instrumentos que constroem a felicidade e o bem-estar e recusar os que determinam dor e sofrimento: a ética da alegria, da bem querença.
Sob o impacto dessas profundas mudanças estruturais as práticas médicas mantiveram o processo de afastamento da Igreja e, em alguns aspectos, se identificaram com os conceitos de Spinoza, nos seus geniais livros “A ética” e o “Tratado da reforma do entendimento”, ambos valorizando a vida e rejeitando valores negativos da compreensão dos conflitos sociais.


Nesse novo contexto, a Medicina reconstruiu caminhos válidos até hoje: reconhecida como partes importantes da construção do bom e da vida e jamais participar de qualquer prática capaz de causar mal e a morte.