Amigos do Fingidor

terça-feira, 10 de março de 2015

Tartarugada em Copacabana



Pedro Lucas Lindoso



Tia Idalina mora em Copacabana no Rio de janeiro. Morre de saudades de Manaus como morre de medo de avião. Só voltaria para Manaus se fosse pela Varig. Na juventude frequentou o cine Odeon, o Politheama e o cine Avenida, o de dona Iaiá. Assistiu aos shows da Ângela Maria na Maloca dos Barés. Uma saudosista. Tia Idalina tem vários sobrinhos espalhados por Manaus, Rio de Janeiro e Brasília. E é queridíssima de todos. Dos amazonenses, sempre pede encomendas do mercadão Adolfo Lisboa: farinha do uarini, sebo de Holanda, pimenta murupi, peixe, tucumã e pupunha. De vez em quando insinua que adoraria comer uma tartarugada. Mas como levar uma tartaruga viva de Manaus para o Rio de Janeiro. De avião? Impossível. Quem conseguiria burlar o Instituto Chico Mendes, O IBAMA a ANVISA e a Polícia Federal? Alguém sugeriu que se comprasse uma tartaruga do mar. Tia Idalina protestou. Não quero, só serve se for Podocnemis Expansa também conhecida como Tartaruga-da-Amazônia. E ponto final. Adoraria fazer uma grande tartarugada, com sarapatel e tudo. Mas teria que ter uma tartaruga viva. Aproveitaria a estadia de Marieta no Rio de Janeiro. Marieta é empregada da família há mais de vinte anos. Cabocla esperta de Nhamundá, cozinha como ninguém. Sabe todos os segredos de como tratar uma tartaruga e fazer todos os pratos que compõem uma tartarugada completa. Inclusive farofa do casco, que não pode faltar. Tia Idalina fez 80 anos dia 21 de abril. Paulinho, um dos sobrinhos queridos de Idalina, que mora em Brasília, foi o responsável pela grande surpresa. Paulinho nos contou a sua epopeia. Descobriu que a empregada de sua sogra, Rosilene, era de Formoso do Araguaia, sul do Tocantins. Cidadezinha com 20 mil habitantes, distante 600 km de Brasília. Rosilene disse que na sua cidadezinha havia uma grande quantidade de tartarugas que estavam em um lugar conhecido como Lagoão, onde deságua o rio Formoso, afluente do Araguaia. Lá tem muita tartaruga. Paulinho foi com Rosilene até Formoso, comprou a bichona e retornou a Brasília no bate volta. Dia seguinte rumou com a namorada para o Rio de Janeiro. Marieta já estava escalada para preparar a tartarugada. A festa seria na segunda-feira mesmo, dia do aniversário da tia Idalina. Paulinho chegou ao Rio no sábado, antevéspera da festa. Estava combinada uma “mentira branca”. A tartaruga teria sido adquirida na rampa do Mercado, em Manaus A cascuda sobreviveu milagrosamente. Estava em ótimo estado, segundo a própria Marieta, “expert” em tartarugada. O parecer de Marieta é de que a tartaruga era amazonense. Todos poderiam ficar tranquilos. Ela tinha certeza que não era de mar. A tartaruga é da Amazônia. De fato era uma Podocnemis Expansa, ratificado pela própria Tia Idalina Colocaram a bichona no banheiro de empregada do apartamento da titia. Os vizinhos ficaram sabendo. Havia fila para ver a tartaruga. Um dos vizinhos, para azar de tudo e de todos, era fiscal do IBAMA. E não é que o cara queria confiscar a tartaruga? Mas tia Idalina é uma “lady”. Perguntou ao moço se ele já tinha comido uma tartarugada amazonense. Ele disse que sim. Achou tudo uma delícia. Então tia Idalina o convidou para a festança. Ele aceitou o convite e ficaram todos conversados. A Alegria de tia Idalina era comovente. Marieta preparou uma enorme travessa de sarapatel. Fez aquele guisado para ninguém botar defeito. O picadinho ficou delicioso. Tudo servido com arroz branco, pimenta murupi e farinha ovinha. E ainda teve a farofa feita no casco. Dizem que o cheiro da famosa iguaria exalou por toda a orla de Copacabana até o posto Seis. Muito anos de vida a tia Idalina!