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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Evolução histórica dos códigos de ética médica



João Bosco Botelho

Na tese de doutorado defendida em Paris, em 1955, intitulada “A ética médica”, o professor Derrien firmou relações conceituais da ética médica voltada ao benefício do homem e da mulher. Assim, o entendimento do professor Derrien da virtude kantiana nas práticas médicas, obrigatoriamente, estaria ligada ao “bem”, ao “bom”, à praticidade, estreitando os vínculos das ações médicas, de modo geral, ao controle da dor e adiando os limites da vida. Dessa forma, é inadmissível pensar a Medicina como uma especialidade social para provar a dor ou a morte. Essa vertente ligando a ética médica aos resultados entendidos como “boas práticas”, gerando bem-estar ao doente, está presente na maior parte das abordagens teóricas referenciais.
Nesse sentido, é possível resgatar relações do conhecimento historicamente acumulado que ligam a ética médica à boa prática, entendidas  pelo senso comum como bons resultados profissionais atadas às ações que devem, obrigatoriamente, trazem melhorias à vida pessoal e coletiva.
Parece razoável pressupor que o conhecimento historicamente acumulado, desde os primeiros registros do médico como personagem social, se ajustou na maior inclusão dos curadores (aqui compreendidos tanto os médicos, como representantes da medicina-oficial, aquela amparada pelo poder dominante, quanto os benzedores, erveiros, parteiras, sacerdotes, encantadores e muitos outros) que obtinham melhores resultados nos respectivos procedimentos de curas. Do outro lado, nos mesmos milhares de anos, os curadores que não conseguiam firmar o reconhecimento coletivo em torno da competência na solução dos problemas expostos pelos postulantes, não recebiam o reconhecimento coletivo.
Entre esses dois grupos, as organizações sociais, em diferentes instâncias, ao mesmo tempo em que reconheciam e nominavam a medicina e o médico, inclusive em algumas sociedades, também os especialistas, compondo parte do conjunto das profissões, procuraram refletir, identificar, coibir e punir a má-prática médica. De modo geral, essa má-prática está mais atada ao resultado desfavorável à saúde do doente, seja pessoal ou coletivo. Nenhum procedimento médico, no passado e no presente, tem sido aceito se provoca piora no estado de saúde do doente.
Esse conjunto normativo entre ética e moral culminou, na Grécia, com o aparecimento do conceito de deontologia (do gr. déontos, “o que é obrigatório, necessário” + logia), que evoluiu para “o estudo dos princípios, fundamentos e sistemas de moral”.
A palavra deontologia ligada à prática médica, em torno da ética e da moral, apareceu pela primeira vez, em 1845, no Congresso Médico de Paris, no trabalho do médico M. Simon, intitulado “Deontologia médica ou dever e direitos dos médicos no estado atual da civilização”.
De modo geral, os códigos de deontologia médica comportam três fundamentos estruturantes, reafirmando o indivíduo e não o coletivo como o mais importante valor da prática médica, maior parte das vezes, distribuídos entre os artigos:
- O médico deve estar sempre a serviço do indivíduo, respeitando a vida e sua dignidade, e da saúde pública;
- O médico deve exercer a profissão com liberdade de decidir, prescrever e indicar tratamento, ao mesmo tempo em que o doente deve manter a liberdade de escolher o médico para dirigir o tratamento. Essa plena liberdade dos médicos deve estar atada ao conjunto de explicações por meio dos “termos de consentimentos livres e esclarecidos” para que o doente tenha maior conhecimento da doença e do tratamento proposto;
- O médico é responsável pelos seus atos entendidos como valores de competência amparada na ciência.