Amigos do Fingidor

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Será que pensar nisso resolve?



Mauri Mrq

Será que pensar nisso resolve?
Quando Hermenina partiu no motor em busca da felicidade, não imaginava tão grande sorte que teria em Manaus.
Hoje, aqui, no mercadão, o cheiro de peixe me lembra do perfume da feira de minha cidade que ficava na beira, bem na beira do rio, deslocando no ano conforme o rio subia com sua vontade. Nessa época já sentia que Hermenina não ia ficar lá, era muita afoita! Ninguém passava a perna nela, acho que herdou a destreza do avô que minha mãe fala. Cada comunidade, cidade ou vilarejo em que parava, fazia negócio ou vendendo ou comprando, vendendo e comprando pra ganhar mais adiante. Chamavam de turco e outros de judeu, mas na verdade era português bastardo que chegou a Manaus pelos favores de um aventureiro que trazia uma máquina de fazer filme, para negociar com os barões da borracha. Acabou virando ajudante de peixeiro sem dar chance de se tornar assistente de filmador, derrubando um filme no rio Negro. Levando peixe na cabeça para os bairros com um bom lucro, conseguiu o pequeno batelão para o regateio. Mas será que pensar nisso resolve?
Até hoje, aqui, minha irmã, a história do meu avô, essa vontade de voltar, a calma de lá, o tempo pra repousar, o almoço vivo ali no rio, a farinha ao vento com o talo caraquento da mandioca, o fogo no tacho e o remo a ondear a farinha, virando ovinha, que hoje pago caro pra enrolar com o peixe pro bucho. Praia, boto, pasmaceira e o cheiro de pão na madrugada exalando do forno da padaria antiga que na bicicleta trazia para o café, pra família.
Não! Tô bem. Descansando. Pensativo, eu? É, pensando na vida. Sei lá. Minha irmã que não vejo e a vontade de voltar pra Maués. Toco daqui há pouco. Na boate da Instalação. Não implica. Levo dinheiro pra patroa. Não dá! Gonorreia! É, prefiro não arriscar. É comida caseira, sem risco. Tá! Vai! Tudo bem! Até! Toco. É de criança? Não! Meu repertório é abolerado. Não!
Não assisto TV. Música da Xuxa? Não sei. É! Compra um disco, ela vai achar melhor. Tá! Tchau.
Cara chato, interrogatório!
Vou sair daqui, circulação aumenta e a paciência diminui.
Vê uma cerveja aí, não muito gelada, pra vê se bate mais rápido, que a noite hoje vai ser longa. Boleros em boleros com fumaça contemplando o ambiente. Até gosto dessa sensação. Mas o tempo, os flertes, os pedidos de música, a embromação do patrão pra pagar, o amanhecer, caminhando ao ponto onde meu motorista de linha ataca para o São Jorge. Chego em casa, patroa dormita e aproveito para me servir do seu afeto, que só as mulheres ofertam, por pena, compromisso ou satisfação para a finalização da leseira.
Oh! Comandante, como vai! Ainda passeando pelas praias do rio Negro com as meninas dando prazer aos comerciantes de Manaus, tendo o Pacu para servir? “Pacu é o apelido do imediato do comandante Araújo”. O comandante é aposentado pela Petrobras como comandante de empurrador de balsa de combustível. Hoje, freta seu batelão em passeios exóticos pelo Amazonas. Melhor que ser tocador de guitarra em puteiro do centro da cidade. Às vezes me convida para ambientar uma música no deserto sonoro de uma embarcação parada numa praia em luar no rio Negro. É divertido e calmante para os sentidos. Mas pensando bem, será que pensar nisso resolve?
Ah! Noite fresca. Também, depois de passar o dia chovendo, só pode estar úmido. O balanço da rede, o dia seguinte do hoje que já vivi. O caldo de peixe, a soneira, o fim, o começo do meio-dia num balneário, a diversão enchendo a lata e novamente o peixe, o tambaqui, a brasa, o cheiro de banho.
Uma vez um sulista, morando em Manaus, estranhava a indagação nos fins de semana, principalmente das cabocas, se ele ia pro banho. Achava estranho quererem saber de sua intimidade, levando em consideração que o sujeito era um pouco aviadado; depois ele entendeu que era ir ao Clube Balneário.
Será que pensar nisso resolve? É muito estranho fugir do que se vai ter que fazer quando não dá pra segurar a evolução da hemorroida. Me assusta ficar em flor para o médico proceder o retorno a botão depois de tantas intervenções.
Chegou o dia, vamos ver se dessa vez resolve, não aguento mais comer peixe sem pimenta murupi.