Amigos do Fingidor

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Lábios que beijei 49


Zemaria Pinto

Socorro


Garçonete do Pinguim, quando terminava seu expediente, Socorro ia para o Guadalajara, que só fechava as portas quando o sol já ia alto. Não era bonita, mas era jovem e bem fornida de peitos, pernas e bunda. Sentava sempre em um grupo de lésbicas, conhecido pelos habituais, liderado por Grace, uma morena bela, esbelta e vestida com muita elegância, distante de qualquer estereótipo. Sempre que ia ao Guadalajara observava o grupo e flertava com Socorro. Meus amigos não entendiam e faziam piadas estúpidas. Grace era muito dominadora e não permitia que suas meninas saíssem do grupo – a esfregação era só entre elas. Uma noite, mandei um bilhetinho para Socorro, de quem eu já sabia alguma coisa, graças à Toinha, garçonete da casa. Grace percebeu, tomou-lhe o bilhete e rasgou-o. Na noite seguinte, a um descuido da sargenta, fiz-lhe sinal para nos encontrarmos lá fora. Para minha surpresa, Socorro dirigiu-se calmamente em nossa direção e sentou-se. As duas mesas ficaram na expectativa da reação de Grace. Ela se aproximou de mim e, como um perfeito cavalheiro, estendeu-me a mão. – Então, é em você que essa cadela está interessada?! Vamos só ver por quanto tempo... Naquela mesma noite, fomos a um hotel do Centro. Socorro era doce, carinhosa e submissa. Contou-me histórias de bolinagem e estupros dentro de casa e do pouco caso de sua própria mãe. Falou-me também sobre Grace, por quem fora “adotada” ainda adolescente e do carinho que sentia por ela. Contou-me que na noite anterior pediu a Grace a oportunidade de conhecer um homem diferente dos que haviam passado por sua vida até então. Continuamos nos encontrando no Guadalajara. Grace virou minha amiga. Às vezes, saíamos a três e, nessas ocasiões, Socorro tinha dupla jornada. Ainda hoje, quando passo pelo lugar onde funcionou o Guadalajara, lembro de Socorro, de seu sorriso tímido, seu olhar distante, sua imensa vontade de ser feliz.