João Bosco Botelho
É provável que a medicina, na Índia antiga, estivesse
sistematizada séculos antes da invasão pelos arianos vedas, em torno do ano
2.000 a.C. Os estudos arqueológicos na cidade Mohenjo-Daro, no noroeste da Índia,
nas margens do rio Indo, mostram que os seguimentos aluvionais, com até 6.000
anos, oferecem-lhe a primazia de estar entre as cidades mais antigas do mundo. As
escavações arqueológicas mostram ruas bem traçadas, rede de esgotos,
canalização para água e banhos públicos. Esses achados reafirmam ideias precisas
dos cuidados de saúde pública na profilaxia das doenças.
A primeira sistematização da medicina na Índia
antiga está contida no Ayurveda, escritos originalmente em sânscrito e pleno de
forte religiosidade. Esses textos podem ser entendidos como a compreensão do
corpo ligado ao mundo circundante, donde Veda (conhecimento, saber) e Ayur ou
Ayu (corpo vivente religado ao mundo pelos cinco sentidos). Dessa forma, também
é aceitável compreender a palavra Ayurveda
como o conhecimento da vida humana ou a ciência da vida humana.
O Ayurveda significa veda da longa vida e
constitui a base teórica da medicina tradicional da Índia. O texto original é
constituído de mil capítulos divididos em cem mil versículos ou Shlokas, por
sua vez, subdivididos em Ashtânga, palavra até hoje entendida, na Índia, como
sinônimo de Medicina.
Os oito capítulos do Ayurveda tratam de temas
médicos específicos:
Shalya:
cirurgia para retirada de corpo estanho, feto morto retido intra-uterino, drenagem
de ferida com pus e a utilização de instrumental cirúrgico;
Shalakya:
cirurgia dos olhos, nariz, orelhas e garganta;
Kayacikitsã: tratamentos
clínicos com mais de oitocentos diferentes tipos de plantas medicinais;
Bhutavidya: ensinamentos
de como se comunicar com os espíritos dos mortos, demônios e doentes possuídos
pelos deuses causadores de doenças;
Kaumarabhritya:
cuidados dos recém-nascidos e das mulheres grávidas;
Agadatantra:
toxicologia, os venenos e os antídotos;
Rasayana ou Jarâ: plantas do rejuvenescimento e os
afrodisíacos que contribuem para a manutenção da saúde;
Vajikarana ou Vrisha: descreve as propriedades dos
afrodisíacos.
As práticas médicas indianas estavam
diferenciadas em relação às do Egito e a assírio-mesopotâmica porque possuía estrutura
teórica para explicar a saúde e a doença, que aconteciam, respectivamente, pelo
equilíbrio ou desequilíbrio dos cinco elementos fundamentais: dhatu: éter ou vazio; vayu: vento; agni: fogo; jata: água; bhumi: a terra.
A alimentação inadequada seria o determinante
mais significativo da desarmonia entre os cinco elementos que regiam a vida.
Como consequência, a dieta e a higiene desempenhavam papel crucial no
tratamento contido no Ayurveda.
Ainda hoje, essas terapêuticas distinguem os
remédios que fortalecem o corpo dos que curam. Os primeiros eram os afrodisíacos
e os segundos eram os vegetais com propriedades medicinais, que deveriam ser
tomados segundo as normas rituais contidas nos Vedas.
É importante ressaltar que o Ayurveda entende
três tipos de doenças: curáveis (sadhya),
melhoráveis (yapya) e incuráveis (pratyakhyeya), consequências de culpas
das vidas anteriores (karmaja) e para curá-las é indispensável fazer a
penitência (prayashcitta).
Esse livro magistral descreve mais de setentas
espécies de vegetais, alguns utilizados nos dias atuais pelo curador andarilho –
shivaista – que, cantando hinos védicos, os administra aos doentes.
Não há dúvida: os ensinamentos do Ayurveda
ainda são extraordinárias fontes de saberes.