João Bosco Botelho
Na Mesopotâmia dos anos 1700 a.C., existiu forte presença de
práticas de adivinhação, descritas nas tábuas de argila, com escrita
cuneiforme, o que acontece em várias passagens do Antigo Testamento. De modo
geral, os adivinhos atuavam em duas vertentes: a astrologia e a hepatoscopia
(aspecto do fígado) dos carneiros sacrificados.
A astrologia mesopotâmica pretendeu estabelecer a relação
entre os movimentos dos astros e as doenças. A aceitação coletiva gerou
formidável exército de especialistas, capazes de interpretar os movimentos dos
astros como sinais de diagnóstico e prognóstico.
É possível que a hepatoscopia estivesse atada às primitivas
relações pré-históricas com o sangue. O fígado, como o mais sanguíneo dos
órgãos, era identificado como o centro da vida. Assim, quem pudesse interpretar
as mensagens contidas no fígado dos animais sacrificados, estaria mais próximo
de saber onde, quando e como as doenças acometeriam as pessoas.
Parece que o mais antigo deus protetor da Medicina, na
Mesopotâmia, foi representado pela Lua, com o nome de Sin. Essa divindade
noturna governava o crescimento das ervas medicinais, por esse motivo, não
poderiam ser expostas aos raios do sol.
Entre os mais poderosos deuses do panteão mesopotâmico,
protetores dos adivinhos e dos médicos, capazes de provocar doença e garantir a
saúde se destacam: Marduk, o grande deus curador; Ninib, filho de Enlil, deus
protetor; Nabu, deus das ciências e da arte de curar; Ninchursag, deus ligado a
oito divindades, cada uma com poder de curar uma doença específica; Ninurta,
deus dos médicos; Gula, mulher de Ninurta; Ningischzida, filho de Ninurta,
representado pelas duas serpentes enroladas no bastão; Sachan, a
deusa-serpente; Ishtar, a deusa da graça, da fecundação e criadora da libido no
homem e na mulher.
Além desses deuses e deusas, os demônios responsáveis pela
dor e doenças: Nergal, da febre; Ashakku, do pulmão; Tiu, dor de cabeça;
Namtaru, da boca, do nariz e das orelhas.
Os adivinhos, valorizados e bem pagos, se construíram junto
ao convencimento coletivo da capacidade de empurrarem os limites da morte. Por
outro lado, a medicina mesopotâmia se aderia à astrologia, onde a presença de
deuses e demônios era entendida como fator importante à obtenção da cura.
Alguns deuses, influenciados pelo movimento dos astros,
poderiam se postar a favor ou contra certa doença, dependendo do ato cometido
pelo doente: Marduk e Gula são os principais exemplos.
A relação da medicina mesopotâmica com a adivinhação, tanto
por meio da astrologia quanto pela hepatoscopia, está descrita nas tábuas de
argila onde é possível identificar dois tipos de médicos: Ashipu, do
diagnóstico quase sempre obtido com a ajuda dos deuses, e Asu, do tratamento
com plantas medicinais usadas em determinadas confluências dos astros.
Mantendo-se as obrigatórias margens históricas, sem pretender
comparar, professores e alunos da Universidade Federal do Amazonas, entre 1982
e 1984, no trabalho de extensão, que eu tive a honra de coordenar, no município
do Coari, nas comunidades ao longo do rio Copeá, comprovou o quanto é forte a
relação das pessoas com os astros e a crença coletiva de terem poder de causar
doenças mortais.
Em uma dessas pequenas comunidades, no alto Copeá, vimos os
hansenianos com as imagens de São Lázaro atadas no pescoço e ouvimos a
benzedeira explicar porque algumas plantas medicinais não curam: colhidas na má
influência da lua ou do sol. E repetiu enfática: só cura quem conhece o céu!