Amigos do Fingidor

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Lábios que beijei 59


Zemaria Pinto
Thaís


Pela boca de Thaís saía música. Sons de flautas, cavaquinhos, violões e violinos: veludosa volúpia da vertigem. Quando sorria, Thaís solfejava beija-flores. Os olhos rasgados na pele acobreada eram faróis castanhos visíveis só na mais completa escuridão. Os seios de Thaís eram caminhos tortuosos, entrâncias e reentrâncias moldadas em minhas mãos. Eu não amei Thaís como se ama um tigre ou um cavalo. Amei sua boca fabulosa, de onde saíam pequenas borboletas azuis a cada pôr-do-sol e de onde peixinhos prateados saltitavam no lusco-fusco do meio-dia. Mas a boca de Thaís, em permanente armistício, não foi feita para a fala, o canto, o sexo: a boca de Thaís era apenas contemplação e delicadeza, pouso de quero-queros e tico-ticos, passagem de sanhaços e arirambas, repouso de uirapurus. Um beijo da boca de Thaís era uma experiência mística, com sabores e cheiros cosmogônicos, evanescendo-se em orgasmos e arco-íris sob o teto de folhas e estrelas nuas, em que o espaço-tempo se fundia em desesperos, mero pé de maravilhas: a língua de Thaís; os dentes de Thaís; os gemidos inaudíveis de Thaís. As marcas de Thaís em minha pele são cicatrizes da memória. A última vez que nos amamos um jorro de luz entrou-me pelos buracos da cara e eu desfaleci na deslembrança de sua boca. Nunca mais, nunca mais, nunca mais...