Zemaria Pinto
Thaís
Pela boca de Thaís
saía música. Sons de flautas, cavaquinhos, violões e violinos: veludosa volúpia
da vertigem. Quando sorria, Thaís solfejava beija-flores. Os olhos rasgados na
pele acobreada eram faróis castanhos visíveis só na mais completa escuridão. Os
seios de Thaís eram caminhos tortuosos, entrâncias e reentrâncias moldadas em
minhas mãos. Eu não amei Thaís como se ama um tigre ou um cavalo. Amei sua boca
fabulosa, de onde saíam pequenas borboletas azuis a cada pôr-do-sol e de onde
peixinhos prateados saltitavam no lusco-fusco do meio-dia. Mas a boca de Thaís,
em permanente armistício, não foi feita para a fala, o canto, o sexo: a boca de
Thaís era apenas contemplação e delicadeza, pouso de quero-queros e tico-ticos,
passagem de sanhaços e arirambas, repouso de uirapurus. Um beijo da boca de
Thaís era uma experiência mística, com sabores e cheiros cosmogônicos, evanescendo-se
em orgasmos e arco-íris sob o teto de folhas e estrelas nuas, em que o espaço-tempo
se fundia em desesperos, mero pé de maravilhas: a língua de Thaís; os dentes de
Thaís; os gemidos inaudíveis de Thaís. As marcas de Thaís em minha pele são
cicatrizes da memória. A última vez que nos amamos um jorro de luz entrou-me
pelos buracos da cara e eu desfaleci na deslembrança de sua boca. Nunca mais,
nunca mais, nunca mais...