Amigos do Fingidor

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Sabedoria médica nos textos vedas



João Bosco Botelho

Durante os dois últimos milênios a.C., as práticas médicas das primeiras cidades mantiveram indissociáveis laços com as ideias e crenças religiosas dominantes, a tal ponto de ser impossível distinguir onde começava uma e terminava a outra.
Na Índia antiga está claro esse processo sociopolítico complexo unindo medicina e as crenças e ideias religiosas. De certo modo, nos dias atuais, permanece vivo em alguns segmentos sociais: os significados dos binômios saúde-doença e vida-morte mantêm marcas profundas da influência dos conceitos védicos contidos no Yajurveda. Por exemplo, o termo yaksma, usado nos textos védicos, com o sentido de debilidade, continua sendo utilizado na atualidade no sentido de caracterizar as doenças crônicas, como a tuberculose, que exaurem cronicamente o organismo.
De acordo com os conceitos védicos, a Medicina teve origem divina. As práticas médicas, com o objetivo de empurrar os limites da morte, teriam sido reveladas por Brahma a Prajapati, o senhor de todas as criaturas, que transmitiu aos Ashvin, os médicos gêmeos; esses, à Indra, o rei dos deuses; e este último, a Divodasa, rei de Kâshi (atual Benares). Finalmente, o rei de Benares as ensinou aos homens mortais, revelando os segredos da medicina aos médicos. Entre eles, estava o lendário médico indiano Sushruta.
É possível que esses personagens míticos tenham existido e contribuído à transmissão dos conhecimentos médicos historicamente acumulados. Um dos exemplos é o personagem Atreya, que é cantado em várias lendas ao longo de milhares de anos.
O médico Sushruta, o último da cadeia da origem mítica da medicina da Índia antiga, escreveu o Sushrutasamhita ou Manual Médico de Sushruta. Esse tratado de Medicina, com novecentas páginas, nas edições modernas, é conhecido como Corpus Sushruta.
O magnífico Sushruta-samhita aborda os diagnósticos e os tratamentos de muitas doenças e descreve minuciosamente as plantas medicinais com as respectivas modalidades de preparo. Está dividido em seis livros que tratam de: clínica; cirurgia; higiene pessoal e coletiva; banhos e massagens; dieta e exercícios; gravidez.
O segundo mais importante livro médico da Índia antiga é atribuído a Charaka. De data posterior ao de Sushruta, se caracteriza pela pouca importância dada à cirurgia como forma de tratamento das doenças.
É provável a influência da medicina grega sobre alguns aspectos da Medicina na Índia antiga e vice-versa. Um dos exemplos da confluência dos conceitos que existiu entre as duas Medicinas é a referência à temperatura dos lugares, às estações do ano, aos períodos das chuvas e ao vento nas obras de Sushruta, Charaka e nas publicações da Escola de Cós.
As semelhanças dos conceitos são grandes para serem somente meras coincidências. No livro “Dos Ventos, Águas e Ares”, atribuído a vários autores, escrito em torno do século 4 a.C., na Grécia, na Escola de Cós, existem passagens muito semelhantes às dos livros indianos, em especial, os de Sushruta e Charaka. 
Em acréscimo às aproximações conceituais, o juramento dos iniciados na Medicina da Índia antiga também guarda notável similaridade ao sermão atribuído a Hipócrates. Os pontos doutrinários de ambos os juramentos são basicamente os mesmos: valorização aos professores que contribuíram na formação médica, dedicação às atividades de curar; origem divina da medicina; resistência frente às tentações da sexualidade; manutenção do segredo profissional; e obediência às normas sociais.