Amigos do Fingidor

terça-feira, 21 de junho de 2016

Dom da ubiquidade



Pedro Lucas Lindoso

Santo Antônio é um dos santos mais queridos do Brasil. Em 13 de junho é celebrado festivamente em Lisboa, onde nasceu.  Aqui no Amazonas, a cidade de Borba o tem como padroeiro e a festa é considerada uma das maiores do Brasil.
Minha avó materna, dona Brigitta Daou, era natural de Borba e devota de Santo Antônio.
– Se milagres tu procuras, pede-os logo a Santo Antônio, dizia ela.
O santo acalmava o raivoso mar enfrentado pelos portugueses em direção ao Brasil. Faz achar coisas perdidas e dá saúde aos doentes. Mas a grande fama de Santo Antônio tem sido como santo casamenteiro.
Quando Marinete*, conhecida senhora manauara, fez vinte e um anos, uma de suas primas, maldosamente, praguejou:
– Vinte e um é o primeiro tiro da macaca! Vai ficar solteirona.
Em passeio a Portugal, Marinete comprou em Lisboa uma linda imagem de Santo Antônio. No ano seguinte, ao dar o segundo tiro da macaca, resolveu ir à festa de Santo Antônio de Borba, aqui no Amazonas. Levou a imagem portuguesa.
Conversando com uma cabocla borbense, a qual, cobiçando sua imagem portuguesa, vaticinou:
– Essa imagem você comprou. Só serve se for roubada. E você tem que maltratar o santo. Põe ele de cabeça para baixo. Ele vai te arrumar um marido.
Marinete deu-lhe a imagem portuguesa de presente. Aproveitou para furtar o Santo Antônio da borbense, displicentemente esquecido na saleta de visitas.
E começou sua saga de maus tratos e xingamentos ao santo casamenteiro. Pendurava-o de cabeça para baixo. Chamava-o de careca feioso. Ameaçava afogar o santo numa bacia de água fria. Dizia que ia prendê-lo num garrafão até ficar sufocado na sua batina fedorenta. Chegou ao cúmulo da heresia ao chamar o santo de nojento.
Antes do terceiro tiro da macaca Marinete conheceu um jovem e talentoso advogado que a desposou, com todas as pompas e circunstâncias.
Esse ano foi agradecer ao santo Antônio de Borba. Ao confessar seus pecados e heresias feitas ao santo, ouviu do padre:
– Minha filha, santo Antônio não merece. É doutor da Igreja. Tinha o dom da ubiquidade. Podia estar em dois lugres ao mesmo tempo.
Marinete respondeu:
– Me desculpe padre, não sabia desse dom e nem o que é ubiquidade. O que eu queria mesmo era me casar.
*Nome fictício.