João Bosco Botelho
No
Egito dos faraós, uma das mais extraordinárias reconstruções das linguagens-culturas
após o sedentarismo, os ventos eram responsáveis pela saúde e doença: “Quanto
ao ar que penetra no nariz, ele penetra dentro do coração e nos pulmões e são
eles que o distribui para todo o corpo”.
Como entre os assírio-mesopotâmicos, contudo,
a importância do sangue também estava presente no panteão egípcio. O Livro dos Mortos conta como os deuses
Hu e Lia surgiram do sangue que corria do pênis de Ra, o do deus-sol, quando
ele se mutilou. As múmias mais importantes eram pintadas de vermelho para lhes
conferir a força do sangue e amuletos de pedras vermelhas, representando o
sangue de Ísis, eram usados pela mesma razão.
O
exame físico dos doentes valorizava a inspeção e a palpação, notadamente, do
pulso periférico associado às batidas do coração: “O começo do segredo dos
médicos: conhecer os segredos da marcha do coração e conhecimento do coração.
Existem vasos que se dirigem para todos os membros. Quanto a isso que todos os
médicos ou todos os sacerdotes de Sekhmet ou todos os mágicos, quando colocam
os dedos, na cabeça ou na nuca, ou sob as mãos ou no coração ou sob os dois
braços ou sob as duas pernas ou em qualquer parte, ele sente qualquer coisa do
coração pelos vasos que vão a cada um dos membros, é de lá que ele fala dentro
dos vasos de cada membro” (Papiro de Ebers 854 a).
Um
aspecto fascinante nos primeiros registros das práticas médicas, no
sedentarismo, é a complexa relação entre as idéias e crenças religiosas e a
medicina. Mesmo com a forte presença e deuses e deusas curadoras, a semiologia
baseada na inspeção, palpação e ausculta valorizava sinais e sintomas até hoje
valorizados: a dor, nível da consciência após o trauma, coloração da pele,
hematomas, paralisias e o aspecto da urina e fezes.
Entre
os principais grupos de doenças descritas é possível distinguir: – Cardiovasculares,
relatos precisos da palpitação e da insuficiência cardíaca com edema pulmonar e
aumento do volume do fígado;
– Pulmonares,
agrupadas sob a designação de tosse; no papiro de Ebers, números 326 a 335, consta
um quadro clínico semelhante à asma sob o nome gehoul;
– Anais
e perianais, a maior parte da população no Egito antigo habitava áreas de
pântanos e várzeas, junto com animais de pastoreio, com infestação de parasitas
intestinais.
Apesar das dúvidas quanto aos motivos, a
circuncisão era praticada, no Egito, desde as primeiras dinastias. As provas
evidentes desse fato podem ser encontradas nas pinturas ou esculturas onde o
pênis é representado sem prepúcio.
Intimamente relacionada à crença no renascimento, a
mumificação alcançou extraordinário desenvolvimento. Imediatamente após a
morte, o cadáver era entregue aos especialistas que procediam ao
embalsamamento, resultando em extraordinário conjunto de ações com os objetivos
de conservar, separadamente, o corpo e as vísceras. O rito compreendia: extração
do cérebro liquefeito pelo nariz com a ajuda de instrumentos pontiagudos, retirada
dos órgãos do abdome e tórax por meio de incisão no flanco direito. As vísceras
eram tratadas e depositadas em vasos funerários que variavam segundo as posses
da família do morto. Nessa condição, o corpo era submergido em banho de natrão
(carbonato de sódio natural), por setenta dias. O corpo desidratado era
cuidadosamente envolto, em vários planos, com tiras estreitas de panos
impregnados com resina.