Zemaria Pinto
Inês
Um amor outonal. A metáfora
desgastada é oportuna para nomear a relação entre duas pessoas que o tempo devastou
no limite. Foi há cerca de 15 anos que a conheci, num tempo em que só conseguia
atenção de uma mulher se pagasse caro – e, assim mesmo, com o cronômetro
ligado. Frequentávamos o mesmo restaurante e de vez em quando nossos caminhos
se cruzavam. Um dia ela chegou com o salão sem uma só mesa desocupada. Apontei-lhe
a cadeira à minha frente. Começou ali uma amizade que se estenderia por alguns anos
até que um câncer filho da puta levasse Inês de mim, em duas semanas. Nunca
moramos juntos e isso nos fez bem, porque a cada encontro, ou a cada viagem,
tudo era novidade. Até mesmo o sexo, que fazíamos sem pressa e sem culpas,
quando, por algum motivo, meu ou dela, não conseguíamos ir até o fim. Mas nos
divertíamos e éramos felizes. Nem os meus filhos e nem os filhos dela – um
casal também – tentaram por reparo naquela relação. No máximo, diziam sem
rodeios que parecíamos dois velhos doidos. Pela primeira vez, senti o convívio
familiar, especialmente no contato com os netos – meus e dela – já quase
adultos. A velhice é um aprendizado. O corpo e a mente se reeducam. Quando
perdi Inês, me vi sozinho, sem apoio, e pela primeira vez tive a consciência da
morte; sem temor nem cuidados excessivos, apenas o sentimento de que, sem Inês
por perto, não seria bom. Porque o pior da velhice, feitas todas as contas, é a
consciência do vazio, da escuridão, do nada.